E agora?

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Não faço parte do grupo de pessoas que após uma eleição realocam o culpa da democracia nos ombros dos eleitores que optaram por votar noutros ideais. Também não faço parte do grupo de pessoas que entenderam a vitória de Jair Bolsonaro à presidência como uma vitória da mamadeira de piroca. Acredito firmemente que as necessidades e anseios de mais de 57 milhões de brasileiros não se resumem a alardes moralistas e raivosos. Aprendi com Vladimir Lênin que as chamadas vibrações das massas devem ser ouvidas e ouvidas e novamente ouvidas a todo instante. Aprendi com Nildo Ouriques que é preciso parar de discutir a pauta liberal e agir a partir de uma agenda própria da esquerda que é construída pelos aportes do marxismo crítico não-dogmático. É urgente para as esquerdas brasileiras a retomada de pensadores e militantes que não se importam com o “cônje” do Ministro Sérgio Mouro, pois não cabe às esquerdas alimentar a pauta de preconceitos lingüísticos que condena e condenou a base histórica dos movimentos populares de esquerda da América Latina. Como ficam os grupos marginalizados que não possuem o privilégio da dita educação formal [ou seria formol, como afirmou Mário Sérgio Cortella] ao escutarem lideranças e militantes dos partidos de esquerda propagando como um valor a chamada gramática dos burgueses?  Se a preocupação com os rumos do Brasil é verdadeira e não apenas neurótica cabe àqueles que se preocupam tanto com a gramática burguesa deixá-la um pouco de lado e exercitar a gramática revolucionária com Guerreiro Ramos, Paulo Freire, Thetônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra, André Gunder Frank, Darcy Ribeiro, entre tantos brasileiros e brasileiras.

Aprendi com o meu amigo e historiador chileno Carlos Sandoval a fazer a pergunta certa, pois uma vez lhe perguntei: e quando o sentido ou as vibrações das massas pedem algo como a liberação das armas? Deve-se simplesmente acatar esta vontade popular? Sua resposta veio no melhor do materialismo dialético: haveria de se perguntar, companheiro, para o que querem esse armamento? Se as massas clamam por segurança [um dos pilares da campanha de Jair Bolsonaro] os homens e as mulheres de Estado devem ouvir. Se a resposta que as vibrações das massas dão para a segurança se manifesta pelo armamento é preciso ouvir. Do mesmo modo é preciso ouvir a classe de autoritários que tomaram o poder brasileiro ao proporem soluções fáceis para problemas complexos. Embora não se devem confundir no palco da política as propostas propagandeadas pelos autoritários com as representações elaboradas pelas massas. O perigo é demonizar uma enorme parcela da população brasileira sem dar chance de desenvolver a audição leninista. É preciso ouvir. A Vladimir Lênin as massas vibravam por paz após a mortandade de 1917. A Fidel Castro as massas vibravam por progresso após a ruína da URSS. Dentro de suas perspectivas tais demandas foram enfrentadas e não ironizadas. Aqui, no Brasil, as massas vibram por segurança, trabalho, educação, saúde e tantas outras vibrações legítimas. Cabe a todos e a todas apreender esta resposta diluindo-se nas massas. Comprometer-se com os sentidos comuns do momento. Não a posição eurocêntrica de uma antropologia mal-feita que busca apenas observar e anotar para depois descrever aquilo que presenciou. Não se deve dar ao luxo de presenciar. Deve-se vivenciar. Diluir-se. Entender e agir. Interpretar e interferir. É preciso que os homens e as mulheres de Estado da oposição convertam estas vibrações das massas em linhas políticas de ação e que os intelectuais e as intelectuais de oposição interpretem estas ações, política e ideologicamente. É preciso priorizar a estratégia [ser anticapitalista] e não as táticas [processos eleitorais]. Incrementar o poder social dos que andam a pé e descamisados. É preciso retomar o grandioso poder político e social mesmo sem possuir nenhum poder governamental. É preciso acatar a derrota no âmbito governamental, tático e axiológico para que o crescimento do poder das massas se torne prioritário. É preciso olhar com mais cuidado e com mais paixão quando as vibrações das massas aparecem na forma de discursos moralistas e com pouco recurso teórico. Cuidado e paixão que faz com que a oposição a este governo miserável e medíocre não caia no jogo do liberal-letrado que é um mero colonizado e tutorado. Deixar de olhar para as massas pelo prisma da falta [falta conhecimento, falta leitura, falta vivência, falta e falta e falta]. Esquece-se do papel que o homem branco europeu-colonizador exerceu sobre as populações ameríndias e africanas com discurso assemelhado. A oposição não pode se portar como agente de civilização. É preciso ter claro que cada setor da sociedade possui suas próprias referências, seu próprio sentido de pertencimento e identidade. Negar isto é negar a autonomia social. Negar o sentido comum é negar a cultura brasileira.

E agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, e agora, José? Quem é essa tal massa, José?

Somos o eu + um + um +um como me ensinou o simples pescador de Eliane Brum. É preciso passar a régua na mesa, José.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Thiago David Stadler

Doutor em História. Professor Adjunto do Colegiado de Filosofia da Universidade Estadual do Paraná campus de União da Vitoria. Contato: thibastadler@gmail.com

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