João Grilo

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Lá, num sítio no norte de Minas Gerais, nas beiras de um riacho ancora uma menina e seu avô. Vovô João era alto com as pernas compridas, os olhos grandes de ternura, o corpo magro, fazia mesmo jus ao apelido que levava: João Grilo.

Hoje, no dia de São João, vovô completaria 90 anos. O dia de São João era por ele e por mim o mais esperado do ano. O sítio Gameleira amanhecia diferente neste dia, a casa de tijolinhos à vista acordava sonora, cheia de risos e falatórios… Prepara a fogueira, bota lenha no fogão para fazer a canjica, o caldo de costela com mandioca, o quentão… Na cozinha as mulheres com lenços na cabeça protegiam os cabelos da fumaça do fogão de lenha, algumas preparavam a comida, outras descascavam  milho para a feitura da pamonha.

O aniversariante do dia merecia de presente todos os gestos, gestuários, falatórios, todas aquelas cenas inesquecíveis que tanto marcaram a minha meninice. Vovô é a pessoa mais bonita que já conheci, tinha ternura em tudo, nos olhos, nas mãos, na forma que se sentava no chão com as pernas cruzadas no cantinho da varanda com um gravador de pilha ao pé do ouvido escutando a cantoria das folias de reis. Só mais tarde entendi que meu avô gostava mesmo era dos santos do catolicismo popular, todos os seus filhos e netos foram batizados na fogueira de São João. Ele esperava ansioso pelas festas de Santos Reis nos meses de dezembro e janeiro, a bandeira santa trazida pelas mãos dos foliões era recebida no sítio com fé, devoção e alegria.

Meu avô, na noite do dia 24 de junho, no dia de São João, celebrava todos os anos o seu aniversário com festa e reza. Dizem que na madrugada ele andava descalço por cima das brasas da fogueira sem queimar os pés. Naquele tempo mamãe me dizia que só pessoas de muita fé andavam sobre as brasas da fogueira. Esse ritual, os mais velhos me contavam que era “promessa de São João”, porque ele nasceu miúdo e muito franzino, a mãe por medo do menino não vingar o entregou ao santo na confiança de um milagre. Andar sobre as brasas era uma forma de agradecer a vida abençoada por São João. Eu nunca presenciei a cena, porque sempre dormia antes, talvez por isso, aos meus olhos de menina vovô padecia de uma espécie de encanto.

Meu avô João morreu num 24 de julho, um mês depois do seu aniversário, eu tinha 15 anos na época. Mas hoje, dia de São João, o meu coração é uma fogueira de saudade.

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Registro da apresentação do grupo Baiadô, em Uberlândia. Foto: Natalya Pinheiro.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Joycelaine Aparecida de Oliveira

Sou professora do CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO-CEPAE/UFG, atuo nos Anos Inciais do Ensino Fundamental. Sou mineira do Norte de Minas Gerais, lá das beiras do Rio São Francisco e sou mãe do João.

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