Era manhã de uma quinta-feira. Uma senhora caminhava apressada para levar os seus filhos à escola. Em frente à loja de chocolates se deparou com um folhetim que dizia Brasil pátria amada. Imediatamente começou a cantarolar as últimas palavras do hino nacional que há muito não cantava. Tal como uma oração bastava um descuido e já aparecia a ladainha toda em sua cabeça. Ouviram do Ipiranga às margens plácidas. Pátria amada, Brasil. Aplausos, longos “sill-sill-sill”, voz do Galvão Bueno, vuvuzelas e o frio na barriga surgiram no corpo da senhora. As crianças só queriam o chocolate. O estranho era o fato da copa do mundo já ter passado. Então o folhetim deveria indicar outra coisa. Mãe. Compra prá nós. Ah sim. A nova era. O novo tempo. O novo Brasil. Afinal, fomos às urnas para mudar tudo o que está aí, lembrou. Sem dinheiro para comprar o chocolate que se exibia sem respeito, a senhora, voltou ao seu caminho. Os carros que passavam na rua quase sempre estavam ocupados por uma só pessoa. Vários ainda exibiam os adesivos de Bolsonaro em suas traseiras. Cuidado que o carro não vai parar não, alertou a senhora. No adesivo do carro que furou o sinal estava escrito abaixo a corrupção, abaixo a impunidade. No ponto de taxi ali pertinho o puro falatório de um tal de Queiroz, compra e venda de carros e uma conta de dinheiro que o filho de Bolsonaro deveria saber que estava tudo certo. Iremos resgatar o Brasil com esta nova independência, disse euforicamente um senhor. Um menino vestido de rosa e uma menina vestida de azul passaram saltitando. O filho mais velho falou que havia se esquecido de pegar um brinquedo para a atividade da aula de biologia. O mais novo riu com cumplicidade. A mãe puxou um e segurou o outro. Já estavam atrasados para voltar e mais atrasados para piadinhas. Do que é a atividade, o mais novo tentou continuar a conversa. O mais velho deu de ombros e chutou uma latinha. Hoje eu irei estudar sobre Marx, o marxismo cultural e como expropriar os meios de produção, disse o caçula de cinco anos. A mãe franziu a testa e apertou o passo. Lembrei, murmurou o mais velho. A atividade é para nos ensinar a fazer sexo com todo mundo que estiver na sala e aí esqueci a mamadeira de brinquedo do meu kit gay. Ao chegar à escola a mãe sem nenhuma mediação se dirigiu até a diretora e vociferou, quero uma escola sem doutrinação e sem erotização das minhas crianças. Os filhos observando que a coisa ficaria feia pularam ao redor de sua mãe. Com o celular na mão o mais velho mostrou um vídeo de um velho fumante, Carvalho no Olavo, ou algo assim, e outro vídeo da posse do presidente Bolsonaro. Eram nestes vídeos que se dizia sobre o que o caçula e o mais velho teriam naquelas atividades na escola. Não foi a diretora nem os professores. A mãe se desculpou com a diretora e foi trabalhar. O mais novo foi estudar o período neolítico e a idade dos metais. O mais velho às mitocôndrias. Nem Marx. Nem sexo. Talvez no ensino básico à distância.
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