Sim, sou volúvel. Não coleciono pássaros, mas os invejo. Sim, sou volúvel. O crime de engaiolar cometi na infância, mas não por mim mesmo, não por minhas mãos. Ganhei de presente um calafate que nomeei Jairzinho em homenagem ao lateral direita da seleção brasileira masculina de futebol.
Eu era criança. Já era volúvel? Não sei. Era volátil, que é modo de nomear animais que voam, animais alados na História da América Portuguesa, uma história do século XVIII colonial brasileiro. Texto de Rocha Pita, capitão, coronel, dono de terras. Já falei dele de modo mais rígido, mais preciso, mais rigoroso, mais completo.
Sou volúvel. Mas, não por nada disso que venho falando.
Não troco amores uns em seguida dos outros, como outros às vezes pensam. Não sou assim tão líquido. Não descarto tudo descartável.
Sou volúvel e volátil, disse a ela ao telefone. Assim, na lata. Assim, na cara. Não expliquei. Mandei um: você sabe. Que é uma camisa de força no pensamento e sentimento alheio, porque decide o que o outro sabe, manda nele; no caso, nela. É tirânico, fascista, eu sei.
Sou volúvel. Volátil porque um cavalo alado, um cavalo que já foi, já voou. Disse isso a ela por e-mail. Sou volúvel porque coleciono xícaras de café. Pequenas, de cafezinho. Maiores de médias ou cafés com leite grandes.
Colecionar não me torna volúvel. Também não porque coleciono também guardanapos.
Sou volúvel porque de tempos em tempos elejo a xícara de todo dia, aquela a beber o café. Seja ela grande, pequena. Foi tempo de usar por muito tempo determinada xícara de determinada marca de pó de café. Houve tempo de outra. Foi o tempo, inclusive, da xícara da marca da loja onde fui e ganhei a peça da coleção.
Há uma semana, mais ou menos, tenho bebido meus café diários, vários, pequenos e grandes, com ou sem leite, acompanhados de fatias de queijo, ou biscoitos, ou sozinhos, com uma nova peça da coleção.
Sou volúvel. Estou encantado com uma nova aquisição. Trata-se de uma xícara branca, de tamanho médio, de asa bastante apropriada e confortável de a ter na mão. Trata-se de uma xícara com a inscrição Cafeína, que é loja, rede de lojas, no Rio de Janeiro.
Ganhei ela. Não que me tivessem dado de presente. Ganhei porque furtei, confesso. Não foi um crime horrendo, nem hediondo, nem acima dos crimes diários que a vida comete, ou cometemos na vida. Crimes diários, tomei parte de alguns.
Ganhei motivado pelo mau atendimento na loja de Ipanema quando estive lá para um café expresso duplo e uma bomba de chocolate, após um almoço no vegetariano de minha preferência, depois de ter trabalhado num sábado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Foi assim uma espécie de reação e vingança por ter sido mal atendido.
Estou apaixonado por meu delito. Sou volúvel, volátil e criminoso. O pior dos roubos, no entanto, foi o roubo de mim mesmo nos últimos tempos ao lado dela. Meu silêncio, meu gesto estudado, os protocolos, as normas. A poesia engolida, deixada de ser oferecida.
Sou volúvel, volátil e criminoso. O pior dos roubos foi ter ido embora levando junto de meus afetos os afetos dela. A xícara não me consola, nem o sol que faz aqui dentro. Nas mãos, o perfume de amanhã, não o de outrora. Sou volúvel, ela sabe. Um café solúvel. Sou volúvel e uma nova mudança em breve deve acontecer.
Créditos na imagem: Divulgação. Flickr/Creolumen.
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Eduardo Sinkevisque
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