A superação do status quo e dos entraves sociais que dele emergem é algo extremamente difícil, visto que no capitalismo as relações sociais aparecem aos nossos olhos enquanto algo natural, essencial e necessário. Por vezes, enxergamos a nossa vida cotidiana como um dado da natureza e não como uma produção da ação humana. Nosso próprio passado, com toda sua dinâmica e mutabilidade, é, muitas vezes, velado por um enquadramento mental do tempo presente. Outras vezes, o nosso tempo presente aparece como resultado final de um desenvolvimento natural: o ápice, o último estágio da história.
Desta maneira, o mundo contemporâneo é marcado pelas afirmações que apontam para o capitalismo como o último estágio da História. E, nessa perspectiva, emergem ideias que apontam para o fim de tudo aquilo que pressupõe movimento, dinamismo, transformação, superação, etc. Essa interpretação invertida sobre o real pode ser verificada em afirmações sobre o fim do trabalho, o fim da utopia, o fim da história, o fim do sujeito, o fim da arte, entre outras concepções. Por outro lado, o fim do capitalismo nunca é cogitado, a não ser pela ideia do próprio Armagedom.
Por conseguinte, as alternativas históricas que apontam para uma nova sociabilidade são escanteadas para o limbo. Assim, um mundo sem o capital e a repressão (violência cultural, social ou física) que dele decorre parece impossível. A própria concepção freudiana fez a afirmativa que a repressão, por sua vez, era necessária para a manutenção da civilização. Ou seja, se chegamos onde chegamos, deve-se ao fato de termos reprimido nossos desejos, vontades, prazeres etc., em nome da civilização.
O capitalismo, então, salta aos nossos olhos enquanto a última alternativa histórica: ou é o capitalismo ou a barbárie! Incrivelmente uma expressão invertida de Rosa Luxemburgo. Como disse certo pensador, torna-se mais fácil pensar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Por isso, o cinema e outras artes têm explorado, de forma maçante, o tema fim dos tempos.
Entretanto, ao observarmos o processo histórico, desde os primórdios, percebe-se um passado dinâmico, cheio de rupturas, de superações e ressignificações de sociabilidades. Por conseguinte, conclui-se que a humanidade nunca foi estática e que o ser humano, em particular, sempre foi sujeito ativo da história, fazendo ruir impérios que pareciam ser eternos ou fazendo surgir valor de uso onde só existia natureza. Pensem, por exemplo, na criação das primeiras ferramentas. Só existia pedra e parecia impossível que as pedras se tornassem outra coisa senão aquilo que já estavam determinados pela sua natureza. Todavia, o ser humano conseguiu controlar, mediar, regular e controlar o metabolismo da natureza, fazendo dela emergir coisas que até então não existiam, tal qual as primeiras ferramentas de pedra.

Assim sendo, podemos apontar que as concepções que afirmam o fim da história, bem como uma vitória definitiva do sistema capitalista sobre qualquer outra alternativa de sociabilidade, tratam-se de meras ideologias. E são ideologias no sentido que invertem o mundo concreto, produzindo uma falsa consciência sobre este mesmo mundo.
Esta ideia, que primeiramente emergiu com o filósofo e economista Francis Fukuyama, foi bastante reproduzido no interior da academia e fora dela, ganhando um forte aspecto ideológico de naturalização do capitalismo enquanto fim último do desenvolvimento humano. Assim sendo, trata-se de um apequenamento das capacidades inventivas e de superação do ser humano. O próprio autor, mais tarde, viria a reconsiderar esta questão.
Esta ideologia, assim como inúmeras outras, age como uma estratégia que busca objetivar os sujeitos, alocando-os em posições determinadas e cristalizadas no interior da sociedade. Todavia, estes sujeitos objetivados podem, a partir de táticas particulares, reverter a situação, desconstruindo esta, ou qualquer outra, concepção ideológica.
Mas se a humanidade está em constante movimento, por que existe esta insistência em afirmar o fim da história? A resposta está na configuração social vigente, baseada em classes e frações de classe, sobre a qual se assenta uma distribuição desigual de capitais (sociais, culturais e econômicos). Por conseguinte, a classe que se beneficia do sistema atual é aquela que possui a maior concentração de capitais e, desta maneira, lança-se de todas as estratégias para a manutenção e preservação do status quo.
Tendo em vista este entrave social, imposto pela classe dominante a partir de diversas estratégias, e a permanência do capitalismo nesses últimos séculos, alguém descuidado pode cair facilmente na armadilha da naturalização da sociabilidade. A frase “mas sempre foi assim” ecoa entre os dominados e, desta maneira, ajuda na reprodução desta atroz ideologia do fim da história. Diante disso, cabe aos sujeitos conscientes mobilizar táticas, fazendo bricolagem das mais diversas, para a desconstrução destas ideologias de modo a descortinar a realidade.
Em todos os momentos históricos o ser humano se deparou com entraves (de ordem natural, social, cultural e econômica), mas sempre os superou, algumas vezes rapidamente e outras de forma mais gradual. Se olharmos para a História antes da escrita, chamada por alguns de Pré-história, percebemos o quanto as mudanças foram lentas. Desde o surgimento dos primeiros hominídeos, passando pela criação das primeiras ferramentas, o controle do fogo e a domesticação das plantas e animais ocorreram no decorrer de alguns milhões de anos. Se observarmos a Idade Antiga, percebe-se que o desenvolvimento das primeiras civilizações até a queda do Império Romano do Ocidente, passaram-se também milhares de anos.
Deste modo, conclui-se que o engatinhar da humanidade teve uma longa duração se comparado com a história do Capitalismo, o qual teve seu início no Renascimento, passando por certo amadurecimento durante a Idade Moderna e a Idade Contemporânea, encontrando seus primeiros limites no decorrer do século XX. Agora, se olharmos a trajetória da nossa humanidade, percebemos que existe certa aceleração na sua dinâmica, o que nos leva a ponderar que o Capitalismo, mais ou menos dias, chegará a sua derradeira superação. Talvez possamos estar diante de um longo período de passagem, tal qual o Período Renascentista, que foi um divisor de águas entre feudalismo e capitalismo.

Posto tudo isso, vale acrescentar que a superação do capitalismo decorrerá da mesma maneira que ocorreu a superação do Modo de Produção Asiático, do Escravismo e do próprio Feudalismo. Todavia, devemos acrescer que estas mudanças não ocorrem sem agenciamento humano, ou seja, os membros da sociedade devem agir ativamente na história.
E notem que, nunca na história, estas mudanças vieram a partir daqueles que dominam e sim, a partir daqueles que são dominados. Com efeito, todos os dominados socialmente, economicamente e culturalmente possuem em suas mãos o poder de fazer a carruagem da história andar novamente.

 

 

 


Referências


CERTEAU, Michel de.
A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis. Vozes, 1998.

CHAUI, M. O que é Ideologia? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008.

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

 

 

 


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