O futuro não pertence a Donald Trump: utopias de uma temporalidade progressista na obra de Lana Del Rey

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Em trabalhos recentes[1], temos discutido a função discursiva da obra da cantora norte-americana Lana Del Rey. É comum vermos, como relatamos nesse trabalho e em demais, a presença de figuras ou referências ditas rebeldes, contraculturais, que animam a obra de Lana, no intuito de servirem como mobilizadoras ou responsáveis pela mudança de que a Terra precisa. Contrárias a um ideal ultraconservador, essas figuras surgem sob nomes distintos e de maneiras distintas. Em um videoclipe duplo lançado este ano, Fuck It I Love You e The Greatest, surgem referências como Jeff Buckley, Leonard Cohen e David Bowie. Os clipes, que fazem parte do álbum Norman Fucking Rockwell, recém- lançado, são uma espécie de utopia de uma temporalidade progressista. Neles, Lana está em um tempo visto como futuro e que, agora, tornou-se presente. Trata-se de um presente desejado, escolhido, mas utópico. Um presente que rejeita os ditames reacionários que se espalham pelo mundo – nos Estados Unidos, a título de exemplo, na figura de Donald Trump – e que forçam a instituição de um novo planeta, uma nova Terra, já que aquela, para Lana, estaria sendo destruída por essa direita ultraconservadora. Lana desejava esse tempo e viajou para esse planeta em seu videoclipe Love, que analisamos em outro artigo e referenciamos neste trabalho. Agora, esse futuro existe e se tornou presente, mas um presente utópico. Para este futuro, foram convidados apenas os jovens (não apenas jovens em idade, mas jovens de essência, que compreendem a mudança e rejeitam valores retrógrados). Por conta disso, no clipe duplo, é possível ver adolescentes e idosos que compartilham da mesma juventude. Em Love, Lana se coloca como jovem e, por isso, ela anuncia aos demais que eles serão os responsáveis por dar sequência à raça humana em outro lugar, sem as interferências do ódio instalado no mundo com grupos e referências neofascistas. A este futuro, Donald Trump e muitos outros não pertencem.

Com imagens que se aproximam da estética exibida em Love, o clipe duplo apresenta a nova Terra como um espaço de liberdade onde as drogas continuam representando mobilização e resistência (SARLO, 1997, p. 35), onde o passado imaginado deve ser contemplado[2], onde a Califórnia é um território de liberdade[3]. Para promover esses ideais de liberdade, ela afirma estar ciente de uma produção do pop ao dominar uma “dimensão intempestiva de um tempo do pop” (VIEIRA, 2019), isto é, um momento em que seu pop passa a ser afirmado (algo que ela não fazia no início da carreira) e o faz a partir do político, das críticas e discussões políticas que cercam a cantora. Entretanto, na letra das duas recentes canções, o homem a quem Lana ama ficou para trás e aparentemente não possuía a “juventude” necessária para entrar nessa nova Terra. Assim, sua presença no novo mundo é, também, apenas sonhada, desejada. Por fim, Del Rey revela que essa Terra para a qual se mudou é apenas um estado de espírito, uma bolha, a ser usada para se manter viva e bem quista, segura entre os seus. Por isso, ela teria abandonado o amado, um ser “fora do meio”.

Essas questões são encontradas ao longo da música, nos seguintes versos de Fuck It I Love You: “I like to see everything in neon / Drink lime green, stay up ‘til dawn / Maybe the way that I’m living is killing me / I like to light up the stage with a song / Do shit to keep me turned on / But one day I woke up like: Maybe I’ll do it differently / So I moved to California‚ but it’s just a state of mind / […] / I used to shoot up my veins in neon / And shit’s even brighter; you’re gone / So many things I would say to you / I want you / You moved to California, but it’s just a state of mind / And you know everyone adores you / You can’t feel it and you’re tired / Baby‚ wish that you would hold me or just say that you were mine / But it’s killing me slowly / Dream a little dream of me / Turn this into something sweet / Turn the radio on, dancing to a pop song / Fuck it, I love you / […] / (Fuck it, I love you) I moved to California, but it’s just a state of mind / […] / (Fuck it, I love you) California dreamin’, got my money on my mind / (Fuck it, I love you) Drugs in my vein, running out of time[4].

Em seguida, em The Greatest, Lana continua a nos apresentar seu refúgio, mas a partir de um embate entre temporalidades. O progresso não seria o que é se o presente real que estava instalado não fosse rejeitado e se o passado não tivesse, de fato, acabado, passado, deixando órfãos aqueles que esperavam que esse tempo passado nunca terminasse e concretizasse os desejos dos sujeitos nele imersos. Entretanto, desconhece-se a ideia de que aquele passado um dia foi presente e futuro e que todas essas temporalidades são a mesma e estão arroladas na mesma esteira. Isso pode ser percebido na ovação saudosista ao passado, uma necessidade de controle das temporalidades e estabilização do sujeito Lana em meio a essas tramas temporais que a avilta: “I miss Long Beach and I miss you, babe / I miss dancing with you the most of all / I miss the bar where the Beach Boys would go / Dennis’s last stop before Kokomo / Those nights were on fire / We couldn’t get higher / We didn’t know that we had it all / But nobody warns you before the fall / And I’m wasted / Don’t leave‚ I just need a wake-up call / I’m facing the greatest / The greatest loss of them all / The culture is lit and I had a ball / I guess I’m signing off after all / I miss New York and I miss the music / Me and my friends‚ we miss rock ‘n’ roll / I want shit to feel just like it used to / When, baby, I was doing nothing the most of all[5].

Entretanto, esse passado só é o que é a partir da forma pela qual Lana o enxerga no presente progressista e utópico instalado por ela e, mais precisamente, a partir da configuração do presente real, estabelecido pelo conservadorismo – uma temporalidade que deve ser combatida. Isso porque é o real, rejeitado pela artista, que faz urgir uma temporalidade utópica. Entre os elementos desse real contaminado, podemos citar: a própria presença do pop como frente cultural e força de discussão e representação política; a profecia contida na canção Life On Mars?, de David Bowie, citada por Lana em The Greatest e que relata o fim do mundo com suas injustiças e a necessidade de fugir para outro planeta; além de elementos de uma realidade crua, que seriam também o fim do mundo, como a ameaça de um míssil balístico sobre o Havaí em julho de 2019 e o fato de Kanye West ter pintado o cabelo de loiro-rosa em 2018[6]. É por meio desses elementos que o pop se arregimenta como ciente da temática política e “antenado”. Elementos esses entre os quais poderíamos citar a afirmação de uma referência ideológica de lugar: a Califórnia como ideal do progresso e da liberdade e principalmente a Venice Beach, praia do distrito de Venice, no condado de Los Angeles, referida no moletom que Lana usa em The Greatest, com os dizeres “locals only” (na tradução, “permitido somente locais”, os pertencentes à região; em outras palavras, uma metáfora para os jovens, vanguardistas e garantidores da mudança).

Nesse sentido, Lana canta: “The culture is lit and if this is it, I had a ball / I guess that I’m burned out after all / I’m wasted / […] / If this is it, I’m signing off / Miss doing nothing, the most of all / Hawaii just missed a fireball / LA is in flames‚ it’s getting hot / Kanye West is blond and gone / Life on Mars? ain’t just a song / Oh, the livestream’s almost on[7].

Em meio a isso, nos dois videoclipes, são apresentados elementos como a magnitude da nova Terra: uma temporalidade, por fim, utópica, como mostra Lana; além disso, a plenitude da artista em sua bolha e junto de seus referenciais de rebeldia e juventude (aqui, Leonard Cohen, Jeff Buckley, David Bowie, Janis Joplin e outros). São exibidas, também, cenas de contemplação de um passado imaginado e reencenado, quando Lana e um homem (seu possível amado)[8] surgem surfando em imagens exibidas em uma televisão antiga, com roupas retrô, entre outros, como mostram as Figuras 1 e 2, que trazem um combinado da temporalidade progressista que se firma como componente do discurso pop da artista.

 

Figura 1: A espacialidade utópica. Fotos: Reprodução/YouTube – Lana Del Rey. 6

 

Figura 2: Elementos que sustentam o discurso de Del Rey. Fotos: Reprodução/YouTube – Lana Del Rey.

Aqui, cabe destacar que o valor progressista contido na utopia de Lana Del Rey não diz respeito a um valor de progresso do mundo moderno[9], que culmina numa ideia de presentismo – um presente cada vez mais urgente, imediatista e, por fim, esvaziado. Trata-se, na verdade, como dissemos, de uma força que suplante, sobretudo por meio dos jovens, a cultura sedimentada do capital, os ditames de uma ordem ultraconservadora instalada no mundo, como a própria figura de Donald Trump. Trata-se, por fim, de uma rejeição ao presente instalado, do sonho com a urgência de um novo real (que é, antes de tudo, uma noção de futuro e uma ficção) e, ao mesmo tempo, do desejo de contemplação do passado, o tempo de referência para as experiências (LEAL; BORGES; TOGNOLO, 2019, p. 145).

Essas utopias do tempo – um futuro que se faz presente sob regime de urgência em prol de valores progressistas –, alicerçadas na ocupação que Lana faz deste outro planeta, revelam também a força política dessa ocupação forçada, mas, no fundo, desejada. Assim, a artista denuncia seu interesse de que o futuro deve urgir como um presente progressista – ação que este tempo imaginado executa agora. Por essa atitude, Lana destitui o futuro de sua dimensão projetiva e de julgamento, um espaço para depósito das experiências, e atribui ao futuro uma vestimenta de presente. A atitude da cantora revela uma tentativa de conter as armadilhas do futuro: se, de um lado, acreditava-se que o futuro, em virtude da aceleração e compressão sobre tempo e espaço modernos (HARVEY, 2010, p. 257), faria os sujeitos se voltarem ao ele e configurá-lo como uma dimensão capaz de realizar os desejos que presente e passado não concretizaram, agora, com as ameaças do presente e a aparente sensação de que o passado é uma temporalidade inerte e apenas desejosa, nostálgica, o futuro é também esvaziado e se torna uma ameaça de catástrofes, sem promessas (HARTOG, 2013, p. 15). Portanto, Lana destitui o futuro de sua configuração e o traveste de presente com o objetivo de concretizar suas esperanças e não as ver serem minimizadas pelos ditames ultraconservadores que inundam as tramas temporais, implodindo o presente e, com isso, arrolando passado e futuro.

 

 

 


REFERÊNCIAS

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945: latência como origem do presente. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2010.

LEAL, Bruno Souza; BORGES, Felipe da Silveira; TOGNOLO, Diogo. O futuro é para poucos: o destino da humanidade em séries de TV. Contemporânea, Bahia: Salvador, v. 17, n. 1, jan.-abr. 2019, p. 144-164. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/22750. Acesso em: 31 ago. 2019.

MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: Volume 2 – Necrose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. 8

VIEIRA, W. D. Love e o acontecimento Lana Del Rey na Era Trump: por uma dimensão intempestiva de um tempo do pop. Tropos: Comunicação, Sociedade e Cultura, Acre: Rio Branco, v. 8, n. 1, p. 1-22, jul. 2019a. Disponível em: https://periodicos.ufac.br/index.php/tropos/article/view/2087. Acesso em: 31 ago. 2019.

 

 

 


VÍDEO CLIPES

LANA DEL REY. Lana Del Rey – Fuck It I Love You & The Greatest (Official Video). 2019 (9m19s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LrSX_OcpeJg. Acesso em: 31 ago. 2019.

______. Lana Del Rey – Love. 2017 (4m54s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3-NTv0CdFCk. Acesso em: 31 ago. 2019.

 

 

 


NOTAS

[1] 1 Em Vieira (2019), descrevemos o momento em que Lana Del Rey desponta como um acontecimento na Era Donald Trump. A artista, que rejeita o presidente, instala, por meio da utopia, um novo tempo, um novo real que deve urgir, um presente imaginado, que virá para destituir aquele acometido pelo presidente à época recém-empossado. Em seu videoclipe Love, a cantora questiona Trump e os ditames políticos de uma cultura sedimentada, cristalizada pelo Estado. Em seguida, ela convoca os jovens, a quem entende como os rebeldes e paladinos da mudança, e diz que eles serão responsáveis por fundar um novo planeta, em substituição à Terra, que está sendo destruída pelos governantes ultraconservadores. Essa configuração estético-política da juventude pode ser conferida em Sarlo (1997) e Morin (2009). Ambos abordam uma presença da rebeldia atribuída à juventude e o fetiche para com esta condição dentro da cultura de massas desde os anos 1950, sobretudo a partir de filmes como Rebel Without A Cause, com James Dean, um ícone dessa juventude rebelde e referência para Lana. Para uma melhor compreensão deste trabalho, recomendamos a leitura do texto que citamos acima e também recomendamos o videoclipe de Love (2017) e o clipe duplo de Fuck It I Love You & The Greatest (2019), cujos links estão disponíveis ao fim deste texto, e que funcionam, para nós, como espécies de continuação do primeiro. Se, em Love, Lana imaginava um tempo progressista que deveria urgir, agora ela está, nos novos videoclipes, presente nesse tempo. Mais uma vez, faz-se incapaz dissociar artista e sua personagem, de modo que nos referimos a elas como uma só, algo que se tornou usual quando se trata da cantora e de seus trabalhos audiovisuais e musicais.

[2]Em Love, os jovens viajavam para o futuro com seus carros antigos e suas roupas do passado. Casais dos anos 1950 se encontravam com skatistas dos anos 1990 e todos eram escolhidos para a nova Terra como responsáveis pela mudança e pela continuidade da raça humana sem o rancor (da direita) que se espalha pelo mundo. E a viagem deveria ser rápida porque não havia mais tempo para controlar esse rancor. Agora, resta aos jovens contemplar o passado que viveram, mas contemplar, na verdade, o que se imagina do passado, as reencenações do passado feitas no presente, porque esse passado não mais existe para eles.

[3] Ao longo de seus trabalhos, começando pelo videoclipe de Video Games, Del Rey representa o estado da Califórnia como um ideal progressista, de liberdade. Ela assemelha a nova Terra à Califórnia.

[4] Tradução livre: “Eu gosto de ver tudo em neon / Beber, ficar acordada até o amanhecer / Talvez meu jeito de viver esteja me matando / Eu gosto de iluminar o palco com uma música / Fazer merdas para me deixar ligada / Mas um dia eu acordei tipo: Talvez eu faça diferente / Então, eu me mudei pra Califórnia, mas isso é apenas um estado de espírito / […] / Eu costumava injetar neon em minhas veias / E o mundo está até mais brilhante; você se foi / Há tantas coisas que eu diria a você / Eu quero você / Você se mudou para a Califórnia, mas isso é apenas um estado de espírito / E você sabe que todo mundo te adora / Mas não consegue sentir isso e está cansado / Amor, queria que você me abraçasse ou dissesse que é meu / Mas isso está me matando lentamente / Sonhe um pouco comigo / Transforme isso em algo doce / Ligue o rádio, dançando uma música pop / Foda-se, eu te amo / […] / (Foda-se, eu te amo) Eu me mudei para a Califórnia, mas isso é apenas um estado de espírito / […] / (Foda-se, eu te amo) Sonhando com a Califórnia, eu tenho dinheiro na minha mente / (Foda-se, eu te amo) Drogas nas minhas veias, ficando sem tempo”.

[5]Tradução livre: “Tenho saudades de Long Beach [cidade na Califórnia, no condado de Los Angeles, em cujo porto Lana grava cenas do clipe duplo] e sinto sua falta, amor / Eu sinto falta de dançar com você mais do que tudo / Eu sinto falta do bar onde os Beach Boys iam / Última parada de Dennis antes de Kokomo / Aquelas noites estavam pegando fogo / Nós não podíamos ficar mais loucos / Não sabíamos que tínhamos tudo / Mas ninguém te avisa antes da queda / E eu estou acabada / Não vá embora, eu só preciso de uma ligação que me acorde / Estou encarando a maior / A maior perda de todas / A cultura está viva e eu fiz parte dela / Acho que vou me aposentar depois de tudo / Tenho saudades de Nova York e sinto falta da música / Eu e meus amigos sentimos falta do rock and roll / Eu quero que as coisas sejam como eram / Quando, querido, eu não fazia nada na maior parte do tempo”.

[6] Segundo a canção, o fato de Kanye West, apoiador de Donald Trump, ter pintado o cabelo de loiro-rosa ou simplesmente loiro, como Lana se refere, representaria uma negação do artista de sua negritude e fariam parte do fim do mundo, dando início à “transmissão”. Citada em Love por meio da expressão “signals crossing” (na tradução, “travessia dos sinais”), a transmissão a que a cantora se refere é o momento da passagem para o novo mundo, quando as condições no mundo real acabariam por tornarem-se insustentáveis. Lembramos que Lana Del Rey já se envolveu em confusões com Kanye West e Azealia Banks, rapper defensora do artista, por conta das opções políticas de Kanye, que indicariam uma “perda para a cultura” (como afirmou nas redes sociais) – a cultura que Lana cita em The Greatest.

[7] Tradução livre: “A cultura está viva e, se isso for tudo, eu fiz parte dela / Acho que estou extenuada depois de tudo / Estou acabada / […] / Se for o caso, estou me aposentando / Sinto falta de não fazer nada, mais do que tudo / O Havaí acabou de escapar de uma bomba / Los Angeles está em chamas, está pegando fogo / Kanye West está loiro e já era / Life On Mars? não é apenas uma música / Oh, a transmissão está quase começando”.

[8] No fim de Fuck It I Love You, uma onda gigante derruba Lana e esse homem da prancha e se percebe que eles estavam em uma montagem de chroma key, algo que se configura como mais uma metáfora, indicando a separação entre os dois.

[9] O suposto progresso instalado com o mundo moderno e com as formas de viver nesse mundo acabam por dinamitar as experiências e a possibilidade de contemplação no tempo presente, fazendo com que o presentismo surja como consequência. Isso porque a modernidade, desde seu surgimento, é seu próprio caos, sua autodestruição, e o faz como necessidade de se alimentar. Para tanto, ver: https://hhmagazine.com.br/black-mirror-dentro-do-nevoeiro-da-modernidade-sujeira-e-melancolia-como-fio-narrativo-da-ruina-e-da-decadencia-em-striking-vipers/. Como exemplo, podemos destacar as guerras, que são, em essência, uma presunção de progresso e a destruição em nome deste. Isso pode ser encontrado em Gumbrecht (2014), quando o autor nos fala de uma Stimmung (estado de alma) sufocante e de aprisionamento gerada pela modernidade. Diz o autor: “Desde o começo da [Segunda] guerra, a história do [navio] Graf Spee – que fala sobre a incapacidade de ir-se embora, mas sem ser capaz de entrar – antecipa e condensa, como uma alegoria, uma dimensão de Stimmung que surgiu durante os últimos anos do conflito, um clima que haveria de dominar o mundo depois de terminados os combates. Em Entre quatro paredes – drama escrito por Jean-Paul Sartre aos 38 anos, que estreou na Paris ocupada, no Le Vieux Colombier em maio de 1944, poucos dias antes do desembarque dos Aliados na Normandia – encena-se a impossibilidade de sair de um determinado espaço e deixar uma situação existencial básica. Três pessoas – Inês, Estela e um homem que responde por ‘Garcin’, apesar de ter o aspecto de homem de meia-idade – juntam-se num salão decorado com mobília pesada, de meados do século XIX. A sala não tem janelas nem espelhos: não só é impossível as personagens olharem para fora, como também não podem ver-se a si mesmas; esse estado das coisas parece torná-los mais sensíveis – até vulneráveis – ao olhar dos outros. Estela, Garcin e Inês sabem, desde o começo – e, portanto, falam livremente –, que chegaram ao fim de suas vidas. A sala e a situação em que se encontram são infernais. Aquilo que transforma em inferno o espaço em que estão é o fato de precisarem viver, para sempre, na presença dos outros e de seus olhares. ‘O torturador é cada um de nós para os demais’, diz Inês.”. (GUMBRECHT, 2014, p. 68-69; grifos no original)

 

 

 


Créditos na imagem: Cena do videoclipe duplo de Fuck It I Love You e The Greatest, de Lana Del Rey. Foto: Reprodução/YouTube – Lana Del Rey.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

William David Vieira

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto e Bacharel em Jornalismo pela mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa "Quintais: cultura da mídia, arte e política" (UFOP/CNPq). Suas pesquisas contemplam os seguintes temas: mídia e música, cultura pop, videoclipe, performance, experiência estética e melancolia.

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