A Guerra Fria (1947 – 1991) inicialmente foi considerada um tipo de guerra não declarada entre os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S). Posteriormente, esse termo passou a ser aplicado para nomear um conflito mais abrangente, envolvendo os blocos soviético e ocidental. Alguns encaravam a Guerra Fria como a uma espécie de Terceira Guerra Mundial, haja vista a ocorrência de tantos eventos e conflitos ao longo de pouco mais de quatro décadas. O mundo sofria os efeitos de uma bipolarização política, cultural e ideológica, cujo sentimento de perseguição ao outro e de uma tentativa de imposição cultural e poder armamentista por parte de cada potência emergente, estiveram presentes ao longo desse período.

Se fosse possível resumir a Guerra Fria em uma única expressão, poderíamos aplicar o termo “Disputa”. A disputa pelo poder hegemônico entre os EUA e a URSS levou as duas nações a não medir esforços no sentido de demonstrar quem sairia “vitoriosa da guerra”. Para tanto, norte-americanos e soviéticos lançaram mão de um discurso já conhecido, referente à utilização de armamentos nucleares.

As cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki experimentaram o poder devastador das armas nucleares ainda no final da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Em agosto de 1945 as duas cidades sofreram bombardeamentos atômicos realizados pelos Estados Unidos, que já haviam testado um mês antes, a bomba Trinity, considerada a primeira arma nuclear a ser detonada no mundo. No episódio ocorrido em Hiroshima e Nagasaki, milhares de vidas foram ceifadas em decorrência da hecatombe nuclear.

Anos depois, durante a Guerra Fria, o mundo conviveu com uma intensificação em torno da apreensão de uma explosão nuclear, só que desta vez, a proposta era que a explosão tomasse uma proporção global. A possível iminência de um extermínio da humanidade começou a fazer parte do imaginário coletivo da sociedade, perpassando por todo o período do conflito, principalmente, durante a década de 1960, período marcado pelo auge da corrida nuclear, bem como nos anos 1980, fase onde voltou a ocorrer um clima de acirramento entre as duas potências. Esse aspecto de medo e apreensão foi retratado pela produção cultural da época. As canções de rock, por exemplo, abordaram esse tema com certa frequência e bastante veemência.

Podemos mencionar a canção Russians (Russos), do cantor inglês Sting (1951 -), lançada através do álbum The Dream of the Blue Turtles, em 1985. A canção fala de um crescente sentimento de histeria pelo qual a Europa e a América passavam nos anos 1980, por conta da insanidade política de duas nações que podiam pôr em xeque, a qualquer momento, a vida da humanidade simplesmente por conta dos interesses políticos e ideológicos das duas potências.

No entanto, apesar da crítica que Sting faz aos EUA e à URSS no que diz respeito a um projeto comum de guerra nuclear, o cantor aponta também, para uma possível preponderância dos EUA diante desse projeto, talvez não tão esperada por parte dos russos, conforme verificamos no seguinte trecho: “Na Europa e na América, há um sentimento crescente de histeria/ Condicionado para responder a todas as ameaças/ Nos discursos retóricos dos soviéticos/ O senhor Krushchev disse: “Vamos enterrá-lo”/ Eu não concordo com este ponto de vista/ Seria uma coisa tão ignorante de fazer/ Se os russos também amam seus filhos/ Como posso salvar meu filho do brinquedo mortal de Oppenheimer?” (tradução nossa).

Outra canção que tratou desse tema foi a Two Minutes To Midnight (Dois Minutos para a Meia-noite), da banda inglesa de heavy metal Iron Maiden, lançada através do álbum Powerslave, em 1984. Transmitindo a mensagem de um cenário de destruição e caos mundial, a canção retrata um momento em que todos viviam a expectativa do juízo final ou dos dois minutos que faltavam para a meia-noite: “Dois minutos para a meia-noite/ As mãos que ameaçam condenar/ Dois minutos para a meia-noite/ Para matar os nascituros no útero/ Meia-noite, meia-noite, meia-noite, é a noite inteira/ Meia-noite, meia-noite, meia-noite, é a noite inteira”. (tradução nossa).

O título da canção composta por Bruce Dickinson e Adrian Frederick é uma alusão ao Relógio do Juízo Final, criado por cientistas, em 1947, dois anos após o lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Os ponteiros simbólicos desse relógio se aproximavam da meia-noite sempre que o risco nuclear era iminente. Na década de 1980, certamente o relógio do juízo final voltou a lembrar à sociedade que faltavam dois minutos para a meia-noite e esse tipo de ameaça que rondava o período foi registrado pela banda.

No Brasil, o medo de uma possível hecatombe nuclear também foi motivo de preocupação por parte de algumas bandas de rock nos anos 1980. A canção Eva, bastante tocada nas rádios brasileiras à época, lançada em 1983 pela banda Rádio Táxi, abordou esse tema. Com uma entonação romântica e metafórica, a banda fala de um casal que tenta fugir da destruição iminente que acometerá o planeta Terra, para buscar um “paraíso”, em qualquer outro planeta: “Meu amor, olha só/ Hoje o sol não apareceu/ É o fim da aventura humana na Terra/ Meu planeta, adeus/ Fugiremos nós dois/ Na arca de Noé/ Olha, meu amor/ O final da odisséia terrestre/ Sou Adão e você será/ Minha pequena Eva”.

O tom melancólico por conta do medo e da destruição, misturado a uma esperança de reconstrução e permanência alimentada pelo amor presentes na canção, representaram a tônica na maneira como essa banda percebia o perigo de uma guerra nuclear vivida nesse momento, mas também, demonstra o quanto esse elemento que permeou a Guerra Fria foi sentido em diferentes tipos de sociedade e retratada de forma enfática pela produção artística musical à época, inclusive, através das canções de rock, cujo Relógio do Juízo final apontava insistentemente dois minutos para a meia-noite. ]

 

 

 


REFERÊNCIAS

Estadão Conteúdo. Fim de tratados eleva risco de Guerra nuclear, mas medo de conflito diminui. Estado de Minas Internacional. 25 de ago. 2019. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/08/25/interna_internacional,1079821/fim-de-tratados-eleva-risco-de-guerra-nuclear-mas-medo-de-conflito-di.shtml. Acesso em 17/02/2021, às 17h12min.

GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

HOBSBAWM, Eric. A era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

IRON MAIDEN. 2 Minutes to Midnight. Álbum: Powerslave. 1984. Gravadora: EMI. Duração: 05:59.

JUDT, Tony. De quem é esta história? A Guerra Fria em retrospecto. In: Reflexões sobre o século esquecido (1901-2000). Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 409-425.

LOWE, Norman. História do Mundo Contemporâneo. Porto Alegre: Penso, 2011.

MUNHOZ, Sidnei. Guerra Fria: Um Debate Interpretativo. In: – O século Sombrio: Uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 261-274.

RÁDIO TÁXI. Eva. Álbum: Rádio Táxi. 1983. Gravadora: Epic Records. Duração: 03:29.

STING. Russians. Álbum: The Dream of the Blue Turtles. 1985. Gravadora: A & M Records. Duração: 03:58.

 

 

 


Créditos na imagem: Diego Alves. Em 00h10 – 27/01/2017. Imagem disponível em: https://www.midiamax.com.br/mundo/2017/relogio-do-juizo-final-esta-mais-perto-da-meia-noite-2

 

 

 

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