Por que investir em Ciências Humanas?

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Em tempos de desmontes das universidades públicas brasileiras e críticas do governo e parte da sociedade em torno da utilidade das ciências humanas, podemos nos perguntar: qual a função social da história? Por que o Estado deve investir nesse campo? Os recursos investidos nessa área serão revertidos à população brasileira que paga constantemente impostos que fazem falta ao final do mês? Quando observamos a ascensão de políticas e políticos fascistas e autoritários que colocam a vida de milhões de pessoas em risco, a resposta é sim.

As ideias e a própria vida de pensadores como Walter Benjamin nos demostram a função social da história. Walter Benjamin foi um filósofo, ensaísta e crítico literário alemão que nasceu em 1892 e faleceu em 1940, vítima do fascismo alemão de Adolf Hitler. Judeu e de esquerda, em 1933, Benjamin fugiu para Paris, mas não conseguiu a naturalização francesa. Em 1935 seus trabalhos não eram mais aceitos em revistas e jornais da Alemanha, e, em 1939, o governo nazista destituiu sua cidadania alemã. Com a França ocupada em 1940 pelos alemães, o filósofo tentou chegar à Espanha com o objetivo de partir para os Estados Unidos. Contudo, os espanhóis lhe recusaram passagem. Temendo ser entregue aos nazistas, ele se suicidou com uma dose de morfina.

Benjamin foi uma das milhões de vítimas que nos mostram a necessidade de não esquecermos o que a humanidade é capaz de fazer. Mas, antes de sua morte, o autor deixou um legado intelectual alertando sobre esse perigo. Dentre os seus trabalhos estão as “Teses sobre o conceito da história” (1940). Por meio dessas reflexões, Benjamin não somente apresenta o que ele entende por história, mas também nos alerta qual a função social da história e como esse campo do conhecimento é essencial para não cairmos em tempos sombrios como aquele em que viveu e foi vítima.

Dentre as dezoito teses, duas nos chamam atenção: a oitava e a nona. Na primeira, Benjamin afirma que a história é marcada pela opressão e que o nazismo não era uma exceção a isso. Dessa forma, a história teria, para o autor, um papel essencial na luta contra o fascismo ao criar contextos de exceção. Ou seja, o historiador possui a função social de criar conhecimentos contrários à ideia de progresso, evolução e normas que fundamentavam o nazismo como o estágio final da história alemã.

Assim, o “Anjo da História” citado por Benjamin na nona tese é aquele que é impelido em direção ao futuro, mas com os olhos voltados ao passado. Ele não consegue ver o que vem, mas o que passou, e a partir dessa percepção, tenta “prever” o que lhe aguarda para onde é direcionado, o futuro. Essa é a imagem Angelus Novus (1920), uma pintura de Paul Klee (1897-1982) que Benjamin possuía e na qual se inspirou para descrever seu “Anjo da História”.

Nessa obra de arte, o anjo parece assustado com aquilo que ele olha fixamente (o passado), enquanto suas asas estão abertas pelo que parece ser um vento que o leva para o futuro. Essa força o impede de tentar recompor os fragmentos das ruínas que são deixadas para trás. Estas ruínas são os acontecimentos sombrios causados pela opressão que Benjamin vivenciou com o regime nazista e sua onda de perseguição e morte. Nas palavras do próprio Walter Benjamin sobre o Angelus Novus de Paul Klee, “essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso” (1940).

Respondendo aos questionamentos iniciais do texto, observamos que a função social da história é alertar. O historiador é capaz de olhar as ações de homens e mulheres ao longo do tempo para evitar que novas ruínas sejam causadas pela destruição. Em outras palavras, o “Anjo da História” é enviado na luta contra governos e ações autoritárias capazes de causar a morte e o sofrimento de milhares de pessoas, como fizeram os regimes fascistas.

 

 

 


Para saber mais:

BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da história. Usos & Abusos da História Oral. AMADO, Janaína, FERREIRA, Marieta de Moraes Ferreira. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.p.219-232.

BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas. Vol I: Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet, Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

DOSSE, François. História do tempo presente e historiografia. Revista Tempo e Argumento, [S.l.], v. 4, n. 1, p. 05 – 22, jun. 2012. ISSN 2175-1803. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180304012012005

VENGOA, Hugo Fazio. La historia del tiempo presente: una historia en construcción Historia Crítica, núm. 17, julio-diciembre, 1998, p. 47-57. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/811/81111329004.pdf/ Acesso em: 7 set. 2020 às 18:36h.

 

 

 


Créditos na imagem: Edvard Munch – Melancholy (1891).

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Raquel Anne Lima de Assis

Doutoranda e Mestre em História Comparada pela UFRJ (PPGHC). Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq). Professora substituta da UFRRJ (DH/IM).

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