Para 29 de agosto de 2022
Discurso, discussão, disco, isso e aquilo
Discutindo e rediscutindo
Mestiçagem no Brasil?
Democracia Racial? Nada Disso!
O etnocídio da gente, biológico, ontológico e cultural
A dor, o luto, a dor
Buscam adormecê-la em nós
“Ferida aberta”, “anomalia”, “patologia”
Metáforas vazias para uma dor performática
Efêmera? Metastástica? Ambígua faca de dois gumes
Desde sempre o horizonte, à frente, se faz distante
Mas relativamente distante
Do ponto de vista, da vista, da minha janela
Eu o vejo conforme as condições climáticas do meu dia
Mas a distância deste e da minha janela oscila
Ora nítido, próximo, ora se quer eu o percebo
Buscam adormecê-lo em nós
A mídia crítica noticia o caos, e não critica-o
Os cotistas desagradecidos não somos nós
Querem pintar na minha janela um horizonte homogêneo
Unicolor, unicultural, brasileiro
Sabe quando vem chegando ao fim do pôr do sol e parece tudo ao céu ter misturado-se? Nada disso!
Dia, meio, noite; mirante, meio, paisagem; sol, meio, luar
Alaranjado, azulado, amarelado
O que aparentemente é uno terá sempre o seu lugar condicionado, no pôr eu digo
Ao amanhecer, ou até mesmo em instantes quando surgir o anoitecer
Cada um no seu quadrado, tal como a lua em cima e o rochedo embaixo
Cada janela com o horizonte que lhe convém; sendo, pois, branqueado, coloured, enegrecido, limítrofe
De opressão, de rebelião, adormecido ou ressignificado
Busquemos percebê-lo por nós mesmos
Fato é que esforços rebeldes desmantelam mitos
Não há fraternidade racial!
Buscam acordá-la em nós
Mas Sueli alerta-nos, povo, sobre uma virada de chave: o que antes não era mais tão dito agora sendo está “por favor mandem entregador branco não gosto de pretos nem pardos”
Cada um no seu quadrado, ainda buscam
Mas dizem sobre a igualdade de todos perante a lei, manifestaram contra as cotas em 2006
Ditas cujas loucuras dizem
Apesar dos pesares, foram-se dez anos de lei de cotas, viva!
Viva? E as vidas? Basta! Basta!
Ditas cujas loucuras dizem
Miseráveis cotistas desagradecidos são eles
Pois buscam o agradecimento é de nós
Aos perigos de uma história única, de uma história didática, de uma história de síntese, alertam-nos também Chimamanda Adichie, Leandro Karnal e Kabengele Munanga, respectivamente
O horizonte não é hegemônico
Regra é regra e exceção é Estado de morte
Estado de morte nada abstrato, que mata
Basta! Basta!
Pobre é pobre, indígena não é rico, negro é pobre, classe e raça não são unas
O Brasil mestiçado ainda é negro, vívido, é indígena
Mas o topo da pirâmide, o topo do pôr do sol, segue sem ser misturado
Referências
FRY, Peter et. al. Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Editora Record, 2007.
GONZALEZ, Lélia. Democracia racial? Nada disso. In: Por um feminismo afro latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. RIOS, Flavia; LIMA, Márcia (Org.). Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
KABENGELE, Munanga. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petropolis: Editora Vozes, 1999.
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: da colônia à independência: colonos, escravos e índios a vida cotidiana os mitos da colonização americana. São Paulo: Contexto, 3a ed. 1996.
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. Tradução: Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: UERJ/Contraponto, 1999, 256 páginas.
KOSELLECK, Reinhart. Espaço de experiência e horizonte de expectativas. In: Futuro passado–contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, p. 311-337, 2006.
GOLIN, Tau. Os cotistas desagradecidos. Geledés, 2014. Disponível: < https://www.geledes.org.br/os-cotistas-desagradecidos/ >.
A íntegra do manifesto contra as cotas raciais. Congresso Em Foco, 4 de julho de 2006 às 15:59. Disponível em < https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/a-integra-do-manifesto-contra-as-cotas-raciais/ >.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Disponível: < https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt >.
Créditos na imagem: Reprodução foto de autoria de Gabriel Olímpio de Resende, graduando em Arquitetura (UFSJ).
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