Eu, assistindo ao filme Greta com o magnífico Marco Nanini, pensei: parece Greta Garbo quem diria acabou no Irajá, mas mais dramático, trágico, como se a comédia já não tratasse de misérias humanas, solidão urbana etc.
Quando os créditos sobem, uma das primeiras coisas que leio é que o filme é uma livre adaptação da peça.
Eu operei som numa montagem de Greta Garbo quem diria acabou no Irajá, com Raul Cortez encabeçando o elenco. Tinha Edu Moscovis e Elisângela também.
Eu havia acabado de voltar da Bahia, do extremo Sul, onde morei. Não havia entrado no mestrado ainda, estava no meu primeiro ano de meu primeiro casamento. Eu era bacharel em Letras. Não tinha terminado a licenciatura. Estava desempregado. Então ativei uma função que já cumprira no teatro. Já havia sido operador de som assim que decidi deixar de trabalhar como ator, mas não queria sair do teatro.
Estreei com Raul Cortez em Campinas, no teatro do Centro de Convivência, lugar aonde não ia desde 88.
Estávamos em 94. A copa do mundo acabara. Estava sem casa. Morava de favor, tinha esposa e uma cadela chamada Anita, que é pequena Ana, ou Anazinha. Ela era uma weimaraner bem doida, mas a quem eu amava. Nascera no Espirito, viajara para a Bahia. Chegara a São Paulo tão sem casa quanto eu e a mulher com quem eu me casara.
A mulher com quem eu me casara eu a amava. E ela era bem doida também.
Anita existiu por que a mulher foi compra-la. Um dia cheguei em casa e a cã estava lá cheia de carrapatos.
Fazíamos espetáculos do Greta Garbo (…) aos finais de semana. Para isso, eu viajava já na quinta-feira. Quando não na quarta-feira.
Chegando à cidade da excursão eu tinha que me certificar das condições do som no teatro da vez, passar o som. Raul e elenco chegavam no dia de espetáculo, passavam as marcas, batiam texto, se maquiavam, se vestiam e iam para o palco.
Eu era o primeiro a entrar em cena, mesmo escondido na cabine da técnica. Eu era um técnico. Eu entrava antes. Colocava uma seleção de músicas de Dalva de Oliveira, de preparação da plateia. Dalva, aliás era tocada em vários momentos da peça, uma vez que a personagem principal, um enfermeiro homossexual, era fã não apenas de Greta Garbo, mas de Dalva de Oliveira também.
Luz de serviço apagada, o iluminador entrava. A plateia já estava acomodada em suas cadeiras.
Peguei rápido aquela trilha sonora, as deixas. Raul era exigente.
Quando passei a me sentir bem familiarizado com o espetáculo, sabendo-o de cor, comecei a assistir à peça. A rir com o texto de Fernando Mello. Passei a me divertir, principalmente, com os improvisos de Raul, com os cacos que ele usava.
Greta Garbo quem diria acabou no Irajá é uma comédia rasgada. Tem, como em toda comédia, em seu avesso, uma razão, ao menos, trágica.
Esse aspecto trágico é que foi trabalhado em Greta, o filme. A violência dramática da violência social e psicológica está elevada a enésima potência no filme de Pia Manfroni.
Assisti ao filme Greta meio que distraído, nem familiarizado, nem tenso. E o vi em partes, nunca inteiro e em algumas vezes. Preciso ver inteiro do começo ao fim. Quero me encontrar comigo, com Raul, com Edu Moscovis e com Elisângela nas dobras, nos avessos dos gêneros, nos regimes do tempo.
Crédito na imagem: Reprodução. Imagem retirada do filme. Direção: Armando Praça
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