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“A Espanhola Inglesa”, de Miguel de Cervantes Saavedra – anotações.
Proust Suburbano

“A Espanhola Inglesa”, de Miguel de Cervantes Saavedra – anotações. 

 

“A Espanhola Inglesa” texto que pertence às Novelas Exemplares, de Cervantes, pode der lida na edição digitalizada e disponível na Internet. Refiro-me a CERVANTES, Miguel de. “A Espanhola Inglesa”. Organização e apresentação Fernando Sabino. Tradução Luís de Lima. Coleção Novelas Imortais. Rocco Digital. s\d.

Os trechos que selecionei para anotação retirei da edição mencionada acima.

A primeira edição das novelas foi feita em Bruxelas, no ano de 1614 em um único volume, com 12 novelas. No século XVIII sai à luz a segunda edição revista e ampliada, em dois volumes.

O enredo d’ “A Espanhola Inglesa” é o seguinte: uma menina espanhola é raptada por piratas ingleses e vive até a mocidade junto aos ingleses. Chega a fazer parte do grupo de aias do palácio real, gozando do convívio com a Rainha, que admira sua beleza. Isabel é a princípio chamada assim, depois passa a ser conhecida como Isabela. É cobiçada por dois jovens moços que com ela querem se casar. Um deles é nomeado pela Rainha como Capitão de um dos navios que a Rainha envia para uma empreitada. Esse moço (Recaredo) vai, mas pede que Isabela fique aos cuidados da Rainha, sob a proteção da Rainha. Isabela, pela inveja de uma das camareiras da Rainha, é envenenada. Os efeitos do veneno não a matam, mas a tornam feia, fazem com que Isabela perca as sobrancelhas etc. No entanto, a moça volta a ficar bonita, a rever os pais separados dela desde o rapto em sua infância. Isabela casa-se com Recaredo. No fim, o narrador conclui com uma moral da história, que tem a ver com a beleza e a virtude. Diz: “Esta novela nos ensina quanto pode a virtude e a beleza, pois estas bastam, juntas e cada uma por si, para encantar até os próprios inimigos (…)”.

Identifico na novela “A Espanhola Inglesa” o conceito aristotélico de Beleza. Beleza como virtude. O “belo útil” aristotélico. Lembro antes que Cervantes se vale por algumas ocasiões no texto da técnica do retrato para evidenciar (por meio de descrições mais ou menos ecfrásicas, do uso da evidentia ou enargeia) a beleza de Isabela, as virtudes de Recaredo, fazendo tanto retratos físicos dessas personae quanto retratos de aspectos morais, comportamentais. É exemplo disso que menciono, da questão do retrato, da técnica ecfrásica etc.

A descrição de Recaredo, rival de Clotaldo na disputa por Isabela: “Ricaredo era alto, forte e esbelto. E como vinha de couraça, ombreira e golilha, braçadeiras e escarcelas, com armadura milanesa de baixos-relevos dourados, deslumbrava a todos que o viam. Não usava morrião na cabeça, mas, sim, um chapéu de aba larga, de cor aleonada, com uma enorme variedade de plumas terçadas à moda valona; a espada larga, talins riquíssimos, calças à suíça. Por tais adornos e pelo brioso passo em que avançava, houve quem o comparasse a Marte, deus das guerras, e quem, impressionado com a beleza de seu rosto, o comparasse a Vênus, que, para burlar Marte, assim se disfarçara”. (p.25).

Atentar para o uso dos nomes Isabel \ Isabela que não são “erros” de edição, mas variações do nome, motivadas pela beleza da persona protagonista da novela.

Como exemplos do que destaco na novela “A Espanhola Inglesa”, vejam-se os seguintes trechos: na p. 11, “filha, luz de seus olhos e a mais formosa criatura de toda aquela cidade espanhola (…); Incomparável beleza; Isabel, menina de tão boa índole. Na p. 12, de voz tão boa (cantava e encantava).

A princípio, o amor [Recaredo] contentou-se em contemplar a beleza incomparável de Isabela e de considerar suas infinitas virtudes e talentos, amando-a como a uma irmã, sem que seus desejos saíssem de limites honrados e virtuosos. Nas pp. 12-13, “formosa Isabela, foram as suas virtudes e imensa beleza que me puseram neste estado”. Na p. 16, “a rainha contemplou-a durante algum tempo, calada, com a sensação – como depois confessou à sua camareira – de ter diante de si um céu semeado de estrelas, que eram as muitas pérolas e diamantes que Isabela trazia, sendo o rosto e os olhos o sol e a lua, tal era o maravilhoso efeito de sua formosura”; “as damas que assistiam a rainha eram todas olhos para nada perder da beleza da donzela. Uma gabava a vivacidade de seu olhar, outra a cor do seu rosto, aquela a esbelteza do corpo, outra ainda, a doçura da sua fala e uma houve que, de pura inveja, comentou: – É bonita, a espanhola, mas seu traje não me agrada”. Na p. 17, “falou Isabela com tal graça e donaire que a rainha ainda mais se afeiçoou a ela, e ordenou que ficasse a seu serviço, entregando-a uma nobre senhora, sua camareira-mor, para que a iniciasse nos costumes da corte”. Na p. 18, Isabela “parecia estátua de alabastro chorando”. Na p. 27, “os pais de Isabela ficaram fascinados ao ver tanta grandeza e tanto fausto reunidos”. Lembrar que eles não a viam há muito, pois Isabela fora raptada. Na p. 30, “estava Isabela, naquela manhã, tão ricamente vestida, que a pena não se atreve a descrevê-la”. Após Isabela ser envenenada por inveja de sua beleza, após ficar feia, perder sobrancelhas etc., ela recupera a formosura. Isabela casa-se com Recaredo. Na p. 45, “esta novela nos ensina quanto pode a virtude e a beleza, pois estas bastam, juntas e cada uma por si, para encantar até os próprios inimigos. E ainda mais: que o Céu sabe extrair de nossas maiores adversidades nossos maiores proveitos”.

Penso com Roland Barthes (“O efeito de real.”. In. BARTHES, R. (e outros). Literatura e realidade. O que é o realismo? Trad. Tereza Coelho. Lisboa: D. Quixote, 1984) a questão da écfrase presente na técnica elocutiva que Cervantes lança mão, compondo uma novela epidítica (ou demonstrativa). Ou seja, lembro, com Barthes, “que a cultura ocidental, no interior de uma das suas mais importantes correntes, não colocou a descrição fora do sentido e atribuiu-lhe uma finalidade perfeitamente reconhecida pela instituição literária”. Prossegue Barthes: “esta corrente é a retórica e esta finalidade é a do ‘belo’. A antiguidade reuniu muito cedo, aos dois gêneros expressamente funcionais do discurso, o judicial e o político, um terceiro gênero, o epidítico, o discurso do aparato, destinado à admiração do auditório (e já não á persuasão), que continha em embrião – fosse quais fossem as regras rituais da sua utilização: elogio de um herói ou necrologia – a própria ideia de uma finalidade estética da linguagem ; na neo-retórica alexandrina (a do século II d.C.) surgiu um grande entusiasmo pela ekphrasis, extracto  brilhante , destacável (portanto , com um objetivo em si, independente de qualquer função de conjunto) que tinha como finalidade descrever os lugares, os tempos, as pessoas ou as obras de arte, tradição essa que se manteve através da Idade Média”.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Miguel de Cervantes: O cavaleiro da triste figura. Revista Superinteressante, 2017.

 

 

 

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