A Estação Primeira de Mangueira de todos nós: Desfiles (3/5)

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Ao longo dos anos, os desfiles das principais escolas de samba do Rio de Janeiro ocorreram em diferentes vias da cidade equipadas com arquibancadas provisórias. Em 1984 a rua Marquês de Sapucaí recebeu estrutura permanente: o Sambódromo. A original proposta de Oscar Niemeyer criou uma tipologia que é utilizada em várias cidades. Porém a relevância do carnaval carioca, conciliada com o impactante desenho do arco da Praça da Apoteose, torna o Sambódromo do Rio de Janeiro o mais relevante exemplar desse tipo de equipamento, sendo, inclusive, considerado patrimônio municipal. O Sambódromo abriga pista, arquibancadas, frisas e camarotes para a visualização dos desfiles, cuja localização interna é identificada por setores de números ímpares e pares. Para acessá-lo, o principal modal sugerido pelos órgãos de controle de trânsito é o metrô. Para chegar aos setores ímpares é recomendado que o público utilize a Estação Central do Brasil. Para os setores pares, a Estação Praça Onze.

A Estação Central do Brasil concilia linhas de trem, metrô, VLT e ônibus. Comumente movimentada durante todo o ano, a Central do Brasil é tomada por uma multidão ainda maior no período dos desfiles das escolas de samba. Comboios exclusivos de algumas agremiações localizadas nos ramais dos trens – como as escolas de samba Mangueira, Portela, Mocidade Independente de Padre Miguel, Imperatriz Leopoldinense e Grande Rio – atendem aos foliões nos dias de desfile.

Entre a Central do Brasil e o Sambódromo há a Av. Getúlio Vargas, local da concentração das escolas, que, por isso, requer vários bloqueios. O intenso trânsito de veículos, as interdições com grades e o comércio ambulante torna o simples ato de transpor a avenida em uma experiência que exige persistência e fôlego. Até o Sambódromo ainda pode-se cruzar com locais de referência do mundo dos desfiles carnavalescos. O Edifício Pedro Ernesto, conhecido como Balança, mas não cai, é um deles. O prédio residencial abriga no nível térreo animados e lotados bares e restaurantes que se transformam em ponto de encontro para os admiradores do carnaval. Há a Escola Municipal Tia Ciata, comumente transformada em ponto de apoio dos serviços públicos. O nome celebra a mítica baiana em cuja casa as rodas de samba se originaram. O Monumento Zumbi dos Palmares assiste à movimentação das escolas rumo à Passarela de Desfiles. Por fim, o Terreirão do Samba sedia shows que mesclam seus sons ao burburinho das escolas iniciando sua apresentação.

Para os lados pares uma opção de chegada é a Estação Praça Onze do metrô, cuja denominação é um apelo extra à memória do povo do samba. A Praça Onze, demolida na década de 1940 para a construção da Av. Presidente Vargas, foi um dos berços desse ritmo musical. Com a sua demolição, restou um lugar da memória vinculado aos primórdios das escolas de samba.

Nessas imediações há as estreitas ruas da Cidade Nova que, apesar da precária conservação, ainda guardam valioso acervo arquitetônico. Ao longo da área externa do Sambódromo, e próximo dos setores finais da passarela, pode-se cruzar estreitas ruas onde destaca-se a Vila Operária (Conjunto Salvador de Sá) e a Quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estácio de Sá. No caminho, moradores nas janelas ou em cadeiras nas calçadas observam o cortejo da multidão rumo aos desfiles. Ao cruzar esse cenário composto de diminutas e antigas residências – há inclusive crianças que, independentemente do tardar da hora brincam em parquinhos –, percebe-se ainda mais o contraste entre o Sambódromo e o seu entorno. Afinal, o Sambódromo é monumental, extremamente iluminado e, nos dias de desfile, lotado por uma multidão.

Em ambas áreas adjacentes ao local do desfile há muito o que olhar: pessoas apressadas; componentes das escolas correndo rumo à concentração; pedaços de fantasias sendo carregadas – e a natural curiosidade em saber de qual escola ela é –; sacolas e mochilas com alimentos para sustentar o corpo até o fim do espetáculo – que pode durar até o amanhecer–; vans com películas escuras nos vidros transportando supostos vips; celebridades; televisões sintonizadas na transmissão do desfile; ambulantes; cambistas de ingressos. Há muitas conversas e a adrenalina está no ar. 

Para quem vai assistir, chegar até o seu assento é a vitória depois de uma sempre agitada chegada. Para quem vai desfilar, alcançar a área de concentração das escolas é adentrar nas coxias do espetáculo.

Chega o esperado momento do desfile. A concentração das escolas de samba, na Av. Presidente Vargas, tem um tempo próprio. Cerca de uma hora antes do início do desfile a impressão é que ainda falta muita gente. Várias pessoas procuram as alas em que vão desfilar, composições e destaques das alegorias sobem nos carros alegóricos, há vários pedaços de adereços pelo chão, foliões ficam inseguros se perguntando se montaram a fantasia corretamente, ambulantes vendem bebidas.

Rapidamente o tempo parece acelerar e os diretores de alas já pedem para os foliões ficarem lado a lado, conforme é usual durante o desfile. Os carros alegóricos começam um lento movimento e, ao acenderem a iluminação de cada alegoria, revelam um pouco do efeito pretendido. O som dos fogos de artifício é o anúncio de que o desfile vai iniciar e é seguido do “samba de esquenta” que comumente é: “Mangueira o teu cenário é uma beleza/Que a natureza criou […]” (EXALTAÇÃO À MANGUEIRA, 1955).

Os desfilantes inexperientes começam a forçar a garganta e a cantar a plenos pulmões. Os mais experimentes sabem que o melhor é deixar para cantar somente quando a ala fizer a desafiadora curva em noventa graus da Av. Presidente Vargas e, aí sim, adentrar no Sambódromo. Nesse crítico momento para a Direção de Harmonia das escolas, os carros podem necessitar de várias manobras para vencerem a curva, impactando na fluidez do desfile. E é quando se faz a curva que fica claro que se é parte de um grandioso e animado espetáculo. Ver a Sapucaí vibrando, com o cênico arco da Praça da Apoteose como destino, é a recompensa dos investimentos, tempo dispensado, ensaios e dificuldades enfrentadas antes do desfile. Tanto a iluminação da passarela quanto a potência do som são intensas.

Na jornada até a Apoteose a há o Setor 1, famoso por abrigar a arquibancada mais popular do Sambódromo. Ele está localizado antes do início oficial do desfile. É o local em que a escola testa a sua popularidade e em que é ajustada a sincronia entre a velocidade dos brincantes e das gigantescas alegorias.

Após a linha que marca o efetivo início dos destiles, há uma sucessão de frisas e camarotes com área de aproximação da pista – localizados ao nível do solo –; de camarotes elevados; e de arquibancadas. São 700 metros até o final do desfile que exige a colaboração de cada integrante para manter animação, canto e dança, a despeito de eventuais contratempos na passarela, comumente relacionados a paradas prolongadas devido a apresentação de quesitos como Comissão de Frente e Metre-Sala e Porta-Bandeira, ou a algum problema nas alegorias. Quando a percepção é de que o desfile conjuga um bom samba-enredo, conjunto cênico e desempenho dos componentes, a animação da escola vai aumentado ao longo da avenida.

A experiência de desfilar, apesar de intensa, é fugaz. A expectativa e a preparação para o desfile podem levar meses. O tempo da concentração, horas. O desfile em si, cerca de 30 minutos. Se o componente desfilar no início da escola, é possível, após a dispersão, voltar para a arquibancada, frisa ou camarote e assistir ao restante da apresentação. Apreender a totalidade do conteúdo do desfile beira o impossível.

 

 

 


REFERÊNCIAS

EXALTAÇÃO À MANGUEIRA. Compositores: Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da Costa. In: Carnaval de 56. Continental, 1955.

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Desfile da Mangueira, 2017, “Só com a ajuda do Santo”. Fotografia: Fernando Grilli.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Eduardo Oliveira Soares

Admirador, criador e pesquisador de narrativas. Doutor em Arquitetura e Urbanismo. https://linktr.ee/eduares

 

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