Jo Guldi e David Armitage na obra Manifesto pela História (2018), alertam para um novo fenômeno temporal que tem assombrado o mundo contemporâneo: a tirania do curto prazo. De acordo com os autores, a nossa sociedade vive uma crise acelerada, que se caracteriza pela ausência do pensamento de longo prazo. Para eles, todos os setores da vida estão afetados pelo espectro do curto prazo. Um exemplo deste fenômeno, é que os políticos não planejam além de suas próximas apostas eleitorais. Os políticos nos seus discursos públicos falam de seus filhos e netos, mas o que determina a prioridade das questões são os ciclos eleitorais, de dois a sete anos. Consequentemente, neste caso, o resultado é menos verba para a infraestrutura e escolas desamparadas e mais dinheiro para iniciativas que prometam resultados a curto prazo (ARMITAGE; GUILDE, 2018, p. 8). Segundo os autores, existe até um nome para o fenômeno do pensamento de curto prazo: “Short-termism”.
Os pensadores mostram que até existem algumas soluções para a tirania do curto prazo, por exemplo, a Comissão Martin, que procura evidências para atestar grandes tendências – entre as quais, o crescimento da polução, os deslocamentos migratórios, o emprego, a desigualdade, a sustentabilidade e a assistência à saúde. Sem dúvida, pensar estas questões a longo prazo é uma grande demanda do nosso mundo contemporâneo. Todavia, os autores afirmam que a Comissão Martin não incluiu entre os seus membros nenhum profissional da história para lhes dizer o quanto essas tendências tinham mudado no arco temporal de uma vida, ou no curso de um verdadeiro longo prazo de séculos ou milênios (ARMITAGE; GUILDE, 2018, p. 10-12). De acordo com os autores, mesmo aquelas profissões que até uma geração atrás proporcionavam empregos seguros não são mais estáveis.
Para os historiadores, pensar as questões que envolvem o nexo entre passado e futuro é fundamental para combater o espectro do curto prazo. Todavia, quem estaria melhor habilitado para lidar com o enfrentamento da tirania do curto prazo? A resposta, para Armitage e Guilde, é clara: os historiadores e historiadoras. Nada melhor que os profissionais da história que lidam com o tempo para ajudar a acabar com o pensamento e atitudes do curto prazo. “Os séculos e as épocas são com frequência mistérios muito amplos e profundos para serem deixados aos cuidados de jornalistas” (ARMITAGE; GUILDE, 2018, p. 12).
Como instituições que tradicionalmente pensam a partir da perspectiva a longo prazo, os autores citam as Universidades. As Universidades são as tradicionais guardiãs do conhecimento profundo – no qual estão muito mais voltadas ao conhecimento científico do que propriamente ao pensamento imediatista – que prioriza o lucro e a aplicação imediata. No geral, as empresas pensam em investimentos que possam trazer lucros a curto prazo. Por outro lado, as Universidades são os agentes capazes de investir em pesquisas intensivas de infraestrutura de longo prazo, como observou o vice-reitor da Universidade de Sydney. No entanto, Armite e Guilde argumentam que as Universidades já estão sendo submetidas sob a tirania do curto prazo. Hoje, infelizmente, temos visto cada vez mais a instrumentalização das disciplinas da faculdade. A razão instrumental – aquela denunciada por Adorno – também tomou conta dos muros universitários. O conhecimento crítico e prático deu lugar ao conhecimento imediatista, isto é, ao conhecimento que não necessariamente está acompanhado da reflexão, esta que é tão cara para as Ciências Humanas, em especial a História, a Filosofia, a Arte, a Literatura e a Música. Ademais, a Universidade acabou adotando a lógica do mercado, onde o principal objetivo é publicar em grande escala, muitas vezes abandonando o espírito crítico e libertador.
Armitage e Guilde apostam na disciplina histórica como uma das poucas capazes de enfrentar o problema do curto prazo. Afinal, a história é acostumada a trabalhar com longa durações. Todavia, os autores argumentam que a própria história foi afetada pelo curto prazo:
Outrora os historiadores narravam acontecimentos em amplos arcos temporais, mas faz quarenta anos aproximadamente, que muitos deles senão a maioria, deixam de fazê-lo. Por duas gerações, entre 1975 e 2005, a maioria dos estudos dos historiadores abarcam aproximadamente de cinco a cinquenta anos, mais ou menos o tempo de vida de um adulto (ARMITAGE, GUILDE, 2018, p. 16).
De fato, a especialização da história tornou as escalas temporais menores, no qual se privilegia as curtas durações – em detrimento das escalas mais amplas de tempo. Uma tese de doutorado pode chegar a seiscentas páginas, mas essas seiscentas páginas geralmente discorrem sobre um curto período de tempo específico. Dificilmente vemos historiadores profissionais realizando grandes sínteses explicativas como no passado. No Brasil, basta lembrar de grandes autores que encaravam tal empreitada: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Caio Prado Júnior.
O fato de os historiadores não produzirem grandes sínteses explicativas, fez com que a tarefa de sintetizar o conhecimento histórico ficasse com autores não qualificados para isso (ARMITAGE, GUILDE, 2018, p. 16). Para perceber melhor este fenômeno – em especial no cenário histórico brasileiro – basta ver o artigo: Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a História? uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre a Public History (2014), de Jurandir Malerba. Neste artigo, Malerba analisa três autores leigos que se tornaram best-sellers como escritores de história no Brasil. O autor mostra que a grande difusão dessas obras colocou questões de ordem técnica e ética sobre as quais os historiadores acadêmicos tiveram que se manifestar.
De acordo com Armitage e Guilde, os historiadores já estão tendo consciência deste fenômeno, tendo em vista que as teses de doutorado em história já estão ampliando a escala de tempo, isto é, historiadores estão voltando a escrever monografias cobrindo períodos de duzentos a dois mil anos. No cenário acadêmico brasileiro, podemos ver a retomada de grandes sínteses explicativas. Como exemplo, podemos citar a grande coleção História na Universidade e Temas Fundamentais da Editora Contexto. Nesta coleção podemos ver historiadores qualificados escrevendo sobre importantes assuntos e períodos da história: História Antiga, História Medieval, História Moderna, História Contemporânea, História da África, História da Ásia, Revolução Francesa, Independência do Brasil, História do Brasil Colônia, História do Brasil Império, História do Brasil República, entre vários outros títulos que se prezam a realizar grande sínteses históricas – sempre com rigor teórico-metodológico, didática e qualidade. Certamente, escrever assuntos históricos a partir de longas escalas de tempo não é uma novidade, basta lembrar de Fernand Braudel, historiador francês que buscou tratar das estruturas sociais, econômicas, políticas e naturais que abarcam a história e o conhecimento histórico.
O historiador alemão Reinhart Koselleck em seu célebre ensaio: História Magistra Vitae – sobre a dissolução do topos na história moderna em movimento (2006), realiza um diagnóstico sobre uma mudança de experienciar e viver o tempo na Modernidade. De acordo com o autor, a história durante 2 mil anos foi experienciada e vivenciada como sendo mestra da vida, ou seja, os seres humanos poderiam apreender com o passado, quer seja com seus erros, quer seja com as suas virtudes. Portanto, a história tinha um pendor pedagógico. Todavia, segundo Koselleck, a Modernidade distanciou o presente do passado e aproximou o presente do futuro – estabelecendo a ideia de progresso histórico. Ou seja, não se pode mais apreender com a história, apenas deve-se esperar o futuro melhor que está por vir. Contudo, segundo Armitage e Guilde, a missão da história como guia para a vida nunca deixara de existir, afinal a história é mestra em relacionar passado, presente e futuro, sendo guia para a ação no presente, utilizando os recursos do passado, imaginando possíveis alternativas para o futuro.
Para Armitage e Guilde, a mudança climática, a governança e a desigualdade social exigem um pensamento a longo prazo. Chakrabarty em seu texto o clima da História: quatro teses (2013), parece não ser tão otimista que a racionalidade política seja capaz de solucionar o problema climático, tendo em vista que ela está sempre pautada no espectro do curto prazo.
À questão da crise climática, da governança e da desigualdade social evoca a necessidade do pensamento de longo prazo. Se os economistas, os políticos e as autoridades não estão interessadas em atuar e pensar a longo prazo, qual o papel dos historiadores e historiadoras neste contexto histórico? Não acho que devemos colocar toda a responsabilidade da solução no colo dos historiadores, mas estou de acordo com Armitage e Guilde – que os historiadores são treinados para captar as vibrações do tempo e traduzi-las aos outros.
REFERÊNCIAS:
ARMITAGE, David; GULDI, Jo. Manifesto pela história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro 91, p. 3-22, 2013.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006.
MALERBA, J. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a História?: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre Public History. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 7, n. 15, p. 27–50, 2014. 2023.
Créditos na imagem: Reprodução: Foto: Thinkstock. Época Negócios, 2018.
[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “338”][/authorbox]