Walter Benjamin (1892-1940), filósofo, ensaísta e crítico literário alemão, deixou contribuições marcantes no campo da historiografia e do pensamento histórico. Suas reflexões sobre a relação entre tempo, memória e narrativa influenciaram significativamente a maneira como entendemos o passado e suas implicações para o presente. Ao explorar as interconexões entre história, cultura e política, Benjamin destacou a importância de investigar não apenas os eventos históricos em si, mas também os contextos e significados subjacentes que os permeiam.

A abordagem de Benjamin desafiou as concepções tradicionais de história linear, enfatizando a necessidade de uma compreensão mais dialética e fragmentada do tempo histórico. Suas obras exploraram temas como a natureza fluida da memória, a influência das tecnologias de reprodução na percepção histórica e a necessidade de resgatar os momentos esquecidos da história para construir uma narrativa mais autêntica e inclusiva. Para Benjamin, o conhecimento histórico era concebido como um processo dinâmico, moldado por fatores linguísticos, culturais e políticos, de forma que uma compreensão mais profunda desses elementos impactaria diretamente nas nossas interpretações do passado e nas nossas ações no presente.

Foi a partir dessas contribuições para o pensamento histórico que preparamos esta lista com cinco artigos sobre Walter Benjamin e a escrita da história. Nessa bibliografia comentada, trazemos indicações de artigos da revista História da Historiografia fundamentais para vislumbrar a complexidade e as influências que a teoria de Benjamin continua a exercer na historiografia. Além de convidar os historiadores a repensarem suas abordagens metodológicas e conceituais, os artigos reunidos são leituras que incentivam uma escrita da história que seja mais sensível à diversidade de experiências humanas, às complexidades do tempo e às dinâmicas culturais e tecnológicas que moldam nossa percepção do passado.

Confira!

 

1) Tempo, história e subjetividade em uma abordagem “atópica” das teses de Walter Benjamin em seu ensaio Sobre o conceito de história

Marta Mega de Andrade

A reflexão sobre os desafios do tempo e da subjetividade na produção do conhecimento histórico é profundamente influenciada pelo pensamento de Giorgio Agamben. Através desta perspectiva e da análise da relação entre história e poesia, o artigo dialoga com as teses de Walter Benjamin sobre o conceito de História, questionando a possibilidade de conceber uma imagem de tempo mais apropriada à ação constituinte do sujeito histórico.

Andrade propõe uma reflexão sobre o tempo histórico como uma experiência imanente à vida cotidiana, destacando a importância de desnaturalizar os ritmos e mudanças. Ao desafiar a linearidade do tempo histórico, o artigo busca reconfigurar a compreensão da história como um instrumento de costura em um horizonte de utopia, onde a transformação do presente é impulsionada pela tenacidade histórica em meio à escavação de ruínas. O objetivo da autora é mostrar como essa abordagem abre caminho para uma narrativa histórica que se conecta com o possível, promovendo uma ruptura com o modelo opressor de história.

 

2) ¿Qué tipo de conocimiento histórico podemos construir? Montaje, técnica y poética en la obra de Walter Benjamin

Ludmila Fuks

Na dialética da montagem, resgatar a voz dos materiais históricos é desafiar a repetição mecânica, abrindo caminho para uma narrativa autêntica que revela a justiça epistêmica na construção do conhecimento histórico. Por meio dessa técnica, este artigo explora a aposta benjaminiana na reconfiguração da história, propondo um novo método que, a partir do presente, reinterpreta criticamente os materiais do passado.

Utilizando o poemário “Deuda & Literatura” (2017) de Omar Chauvié como ponto de partida, o texto destaca a relação entre dívida externa argentina e literatura, revelando como o poeta utiliza a montagem, especialmente por meio de citações, para conectar políticas e tradições literárias divergentes. O artigo propõe que essa técnica, ao criar uma história anacrônica e polifônica, oferece uma perspectiva alternativa de construção do conhecimento histórico, abandonando a pretensão de neutralidade e abraçando uma compreensão política da história. No cerne do argumento de Fuks está a noção de montagem como princípio metodológico contemporâneo, em consonância com a leitura benjaminiana, questionando, dessa forma, a viabilidade de narrar essa história de maneira linear em um formato acadêmico convencional.

 

3) Crise da modernidade em perspectiva histórica: da experiência empobrecida à expectativa decrescente do novo tempo

Yuri Martins Fontes

Em meio a um cenário de violentas guerras e calamidades humanitárias, a “crise da modernidade” ressurge como protagonista nos debates de Ciências Históricas e Filosofia. É com base nessa emergência, que o artigo de Yuri Martins Fontes propõe uma análise crítica da evolução da crise inerente à modernidade através de três pensadores fundamentais – Walter Benjamin, Reinhart Koselleck e Paulo Eduardo Arantes.

O objetivo central do artigo é analisar como esses três autores convergem sobre o declínio da experiência nos tempos modernos e as expectativas infladas ligadas à ideologia burguesa do progresso técnico. A reflexão é conduzida por meio de uma abordagem que entrelaça aspectos históricos e filosóficos, iniciando com a análise do declínio da experiência nos tempos modernos, avançando para a crítica koselleckiana à hermenêutica e culminando na contemporaneidade, marcada pela crise global aprofundada pela globalização neoliberal. Fonte argumenta, portanto, que a perspectiva dos três autores converge na visão de uma modernidade capitalista como uma crise abrangente e duradoura, minando a utopia de reformas sociais e desafiando a busca por um verdadeiro progresso social.

 

4) A oficina do fragmento: Método e processo historiográfico em Walter Benjamin

Jorge Ramos do Ó

Tomás Vallera

O fragmentarismo é essencial na construção de objetos historiográficos, permitindo uma escrita que procede por desmultiplicação e destaca-se pela quebra com a tradição linear e progressiva do sentido. É através desse fragmentarismo construtivo característico que este artigo empreende uma análise profunda da obra de Walter Benjamin.

Para esta análise, Jorge Ramos do Ó e Tomás Vallera buscam destacar o fragmentarismo presente na prática historiográfica do intelectual alemão. O artigo mostra como Benjamin oferece uma abordagem que permite avançar através do sentido sem fechá-lo, possibilitando aos historiadores participar no jogo da compreensão do mundo através da criação de objetos parciais. A conclusão enfatiza a força narrativa de Benjamin, rejeitando a noção de um argumento que cobre toda a realidade. A quebra com a tradição linear destaca-se, portanto, como uma contribuição importante para a construção de objetos historiográficos, enriquecendo o entendimento do passado de forma atenta, minuciosa e consistente, enquanto rejeita metanarrativas predefinidas sobre sua origem ou destino.

 

5) Abismo: o Collège de Sociologie, Walter Benjamin, e a reaproximação entre socialismo e esoterismo na França (1935-1948)

Renato Amado Peixoto

Uma notável convergência entre o socialismo e o esoterismo ocidental, ocorrida pouco antes da Segunda Guerra Mundial, delineou-se na França em torno do Collège de Sociologie. Destacando a importância da cooperação entre Walter Benjamin e os membros do Collège, o artigo de Renato Amado Peixoto busca desvendar as conexões entre o esoterismo, o socialismo e a sociedade secreta do Acéfalo.

No desenrolar do texto, o autor explora as complexas relações entre Benjamin e os membros do Collège, desde amizades até colaborações mais condescendentes, delineando a fusão de ideias que formou a base desse movimento intelectual. Ao traçar a trajetória dessa convergência, o artigo destaca o papel da releitura de Nietzsche, o afastamento do legado marxista e a ênfase no “jogo livre das paixões” como elementos fundamentais. A conclusão aponta para a continuidade dessas influências na formulação de uma metanarrativa ampliada em direção à teologia romana, destacando a complexidade das visões sobre a história e a sociedade que emergiram desse contexto intelectual.

 

Leia também na revista História da Historiografia:

GUIMARÃES, G. Disciplina e experiência: construindo uma comunidade de escuta na teoria e no ensino de história. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 14, n. 36, p. 373–401, 2021.

PÉREZ BAQUERO, R. Memória, narrativa e conflito em escrever o passado: quando os historiadores estão sujeitos a tensões éticas e políticas. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 13, n. 32, p. 47–81, 2020.

MARQUES, D. A. No Future: esboços para uma ação política no “novo tempo do mundo”. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 9, n. 21, 2016.