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“Como vamos fazer pro menino aprender?”: relatos da pandemia – parte 1
Experiências Didáticas

“Como vamos fazer pro menino aprender?”: relatos da pandemia – parte 1 

 

Quando, em 17 de março de 2020, recebi a notícia de que o prefeito ia fechar a cidade por conta da chegada de um vírus desconhecido fiquei um pouco sem saber o que fazer. Estava no Parque da Ciência de Ipatinga, instituição museológica voltada para a ciência e a tecnologia vinculada à Secretaria Municipal de Educação da qual eu atuava como coordenador pedagógico desde janeiro de 2019. Na mesma hora, mandei mensagem para a diretora do Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação e minha principal interlocutora para assuntar o que estava acontecendo. Recordo-me da fala dela me dizendo: “Riler, precisamos de você de volta à assessoria pedagógica na área de história.

Assessoria pedagógica era uma função que eu havia exercido por 2 anos dentro da Secretaria de Educação e depois de minha saída em janeiro de 2019, ainda não havia outra pessoa para o meu lugar, de modo que eu ainda fazia às vezes de assessor, mesmo estando no Parque da Ciência. Assessoria pedagógica era responsável pelo processo de pesquisa, formação para professores e avaliação pedagógica na rede municipal de ensino bem como para acompanhar e apoiar as escolas em seus processos pedagógicos, orientando-as. Nesta primeira parte do relato, narro em 3 atos, tal qual uma peça de teatro, todo o processo de suspensão das atividades educacionais em um município no interior mineiro até o início das aulas na modalidade semipresencial em 15 de junho de 2020. Mas eu o faço a partir de um lugar particular, o lugar daquele que deveria pensar e executar em termos pedagógicos essa nova e inesperada modalidade de ensino.

1º ato

As aulas paralisaram em 18 de março e o Parque da Ciência fechou dois dias depois. Desde então, me desloquei para o prédio da Secretaria Municipal de Educação para ajudar, no primeiro momento, a parte administrativa: levantamento de quem tinha férias vencidas, dias para compensar etc. e fazer todas essas pessoas tirarem esses dias. Das pessoas mais envolvidas com a área pedagógica, ficávamos no prédio da Secretaria basicamente eu e mais 5 pessoas da área pedagógica, incluindo a própria Secretária de Educação e funcionários administrativos. Organizamos um plantão para tirar dúvidas de famílias e equipes diretivas e professores sobre o que viria (a quantidade de ligações e e-mails eram absurdos). Em paralelo, montamos escala de trabalho e participamos de reuniões e videoconferências, quase diariamente, preocupados com os desafios que a gente tinha. Após esses primeiros dias, os outros 9 (nove) assessores pedagógicos, que haviam ficado 10 dias de férias, retornaram e passamos a discutir a criação de uma plataforma de estudo[1], para que minimamente os alunos com acesso à internet pudessem ter algum contato, um vínculo, mínimo que fosse, com o universo e com o conhecimento escolar. Ao mesmo tempo, nós mesmos da equipe pedagógica da secretaria fomos discutindo o formato, o que incluiríamos e principalmente deixar claro que não se tratava de substituir aulas presenciais, até porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê, em seu art. 13, que para ser computado como aula tem de ser feita pelo professor da turma. Esse site era e ainda é de acesso livre. Nesse primeiro ato, a grande notícia é que nada chegava de orientação do MEC de Weintraiub e Bolsonaro (eu sei, visto de hoje não surpreende a mais ninguém).

2º ato

A plataforma entrou no ar dia 04 de abril, com as primeiras postagens no modelo de sequência didática. Discutimos, fizemos – em parceria com as escolas – e tabulamos uma pesquisa para verificar quantas famílias e alunos da rede municipal em média tinham acesso a algum tipo de recurso tecnológico. O resultado revelou que cerca de 40% de nossos 21 mil alunos tinham acesso à internet, por exemplo. Mas havia disparidade regional, com escolas com até 80% de alunos com acesso e outras com menos de 20%. Além disso, não levamos em conta na pesquisa a qualidade do acesso, o que depois acabou por se mostrar mais um limitador. Ao mesmo tempo, passamos abril todo montando uma proposta de calendário escolar etc. com previsão de retorno às aulas presenciais em 01 julho. A Secretária de Educação, decidiu antecipar o recesso de julho dos professores e demais profissionais da educação para o período de 30 de março a 10 de abril. Recordo-me bem que neste mês de abril ninguém trabalhava com a hipótese de a pandemia durar tanto. Montar um calendário escolar é tarefa muito trabalhosa, porque todo planejamento administrativo e pedagógico (com Resoluções, Atos normativos, Orientações etc.), que é feito normalmente entre setembro e dezembro do ano anterior, teve de ser refeito, incluindo consulta às unidades escolares e profissionais da educação, a análise e aprovação pelo Conselho Municipal de Educação, e praticamente tudo depende do que a equipe pedagógica decidir que pretende fazer. Nesse mês de abril e início de maio, as ligações de famílias aumentaram para saber se tínhamos notícias da volta das aulas e os professores e equipes diretivas estavam ainda mais preocupados, com medo de perder empregos. Lembro-me da Secretária de Educação falando que havia recebido ofícios tanto do Sindicato de Trabalhadores em Educação- SindUte cobrando muito que não fossem demitidos professores e assistentes educacionais contratados/designados; quanto do Ministério Público cobrando que todos os contratados deveriam ser “mandados embora”, porque o “serviço” prestado pelo contratado não estava sendo executado. Fora o medo geral de cortes de salários por parte de professores e outros profissionais da educação. Só para constar, são cerca de 1700 profissionais da educação no munícipio – mais ou menos 1300 professores e os outros são funções de apoio administrativo e pedagógico como assistentes de educação especial, assistentes de biblioteca, assistentes de educação infantil etc). As notícias continuavam chegando e outra questão apareceu: a saúde, inclusive mental, dessas famílias e professores. Após algumas conversas, optamos por criar um canal de contato dos psicólogos da Secretaria de Educação com famílias e professores, para responder a algumas angústias deles nesse período inicial de pandemia. Esse canal foi disponibilizado por meio de uma aba na plataforma que havíamos criado e citei acima. Veja você, caro e raro leitor, que até então praticamente não havíamos discutido a questão principal: o que fazer e como fazer em termos pedagógicos, de ensino-aprendizagem? – Mas esse tema começou a aparecer nas nossas conversas logo após o feriado de semana santa, ou seja, após o dia 12 de abril. Discutíamos como dar formação para esse professor quando as aulas voltassem, mas mais do que isso: o que fazer em relação a eles, qual proposta pedagógica seguir. A legislação educacional aqui no município sobre formação continuada de profissionais da educação é bem avançada e data de 2015[2]. – É fruto também da luta de várias gerações e gestões. Temos 47 escolas no município, sendo 29 delas com ensino fundamental e 17 com ensino fundamental anos finais. Todas as 29 de ensino fundamental possuem acesso à internet banda larga e chromebooks para uso de professores (450 já haviam tido formação de 80 horas para aprender a usar as ferramentas entre final de 2018 e início de 2019) e todos os alunos e professores[3] possuíam e-mail institucional @edu.ipatinga.mg.gov.br, já que a secretaria havia comprado esse domínio anos antes.

3º ato

Por volta do dia 10 de maio, fomos informados pela Secretária de Saúde que havia previsão de que o pico da doença estaria próximo de chegar e de que seria inviável pensar em data para retorno das atividades presenciais nas escolas devido a isso. Haviam se passado cerca de 50 dias e só a partir daí deixamos de lado a ideia de voltar ao presencial. Esse ponto é importante: nesses primeiros 50 dias todos trabalhávamos com a ideia de que as medidas de isolamento social provocadas pelo novo coronavírus seriam mais passageiras e transitórias do que se mostraram. Foi erro? Não sei. De fato, dada essa realidade, começamos a pensar no modelo das aulas remotas. Mas o que seriam essas aulas remotas? Não havia ainda clareza quanto a esse conceito, muito menos como fazer. Muita confusão sobre as diferenças entre ela e a Educação a Distância. Começamos a nos reunir quase que semanalmente com a secretaria de dados para definir as potencialidades em termos de recursos tecnológicos e aprender um pouco com eles. Em paralelo, as notícias sobre o Plano de Estudos Tutorados – PET da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais estavam pipocando nas mídias[4]. Pensamos: precisamos estudar, até para saber por onde começar, esse material da SEE/MG e identificar as potencialidades e as deficiências dele e comparar com o que estávamos produzindo na plataforma Estude em Casa. Levamos cerca de uma semana para fazer um estudo comparativo do nosso material e dos PETs da SEE/MG. Ao mesmo tempo, precisávamos ouvir as equipes diretivas das escolas. Marcamos uma reunião uma reunião no dia 19 de maio de 2020 para falar da necessidade de voltar remotamente e ouvi-las. No dia 19, a reunião foi relativamente tranquila. Apresentamos a comparação do nosso material com os PETs, pedimos que as equipes se reunissem com os professores e conselhos escolares de maneira remota para escutar deles quais as demandas e o que eles achavam que deveria ser adotado como modelo de aula remota. Solicitamos que explicassem a nova situação da pandemia também. Essas reuniões nas escolas aconteceram entre 20/05 e 25/05 e geraram um documento consolidando as propostas das equipes diretivas e professores e comunidade escolar em geral. Coube ao Colegiado de Diretores, órgão que reúne os diretores das escolas municipais de Ipatinga, agregar todas essas sugestões e informações vindas das escolas e consolida-las em um documento. Esse documento foi encaminhado como anexo a um Ofício para a Secretaria de Educação no dia 26 de maio. No dia seguinte, já havia sido agendada uma reunião do Conselho Municipal de Educação para falar da proposta de retorno ao ensino na modalidade remota. Após apresentação da pesquisa feita com as escolas sobre o modelo, os dados epidemiológicos, o estudo comparativo dentre outros assuntos, o Conselho aprovou o início das aulas remotas enquanto durasse a pandemia. As aulas começaram no dia 15 de junho, e nas duas semanas entre a reunião do Conselho de Educação e o início das aulas foi o tempo que nós da equipe técnica pedagógica tivemos para nos preparar para a volta (vou tratar disso na parte 2 desse relato).

Definimos que as primeiras atividades seriam todas impressas e entregues para todas as famílias, sem custo (como deve ser mesmo, nossa obrigação!). Depois, chegou a hora de definir o formato das atividades, de modo que a gente não cometesse os mesmos erros que o Estado de Minas Gerais. Definimos em 20 (vinte) atividades para 6º ao 9º ano, 16 (dezesseis) para 3º ao 5º ano, 1º e 2º ano eram 10 (dez). Pegamos o Currículo Referência de MG – CRMG e fizemos uma proporcionalidade de atividades que fosse correspondente com o peso que cada componente curricular tinha nesse documento. Tipo, língua portuguesa tinha peso de 25% das atividades, história, geografia e ciência tinha 15% cada uma e, assim, sucessivamente.  – Educação infantil, de competência exclusiva do município, foi outro problema desde o início, por causa da especificidade. Tínhamos pouca ou nenhuma informação do MEC e o Conselho Nacional de Educação só havia regulamentado por meio de uma resolução o ensino remoto no final de abril e início de maio (vocês devem se lembrar da entrevista da Priscila Cruz do Todos pela Educação, no Roda Vida, em 14 de abril[5]). A secretaria definiu que as atividades seriam quinzenais e deveriam ser entregues junto com a merenda escolar – todos nós da equipe pedagógica tivemos de ajudar a carregar as cestas dado o volume e urgência da situação.

Mais difícil foi definir uma linguagem pedagógica comum, uma linha de trabalho que fosse adotada da educação infantil aos anos finais do ensino fundamental. Após muita discussão, definimos que faríamos Blocos de Atividades Temáticos quinzenalmente e o primeiro desses blocos foi feito por nós da equipe de assessoria com o tema “Aedes Aegypti em foco”. Depois, ele foi enviado para as equipes diretivas em 10 de junho (dias 11 e 12, quinta e sexta, eram feriado) e 13 e 14, sábado e domingo. Por aí vocês imaginem a correria que foi para cada uma das 29 escolas de ensino fundamental imprimir todo esse material, separar, grampear, fazer contato com as famílias e entrega-los a partir da segunda, dia 15 de junho de 2020 com escala de turma e turno, respeitando os protocolos sanitários.  Por fim, nosso sistema de aulas remotas também ganhou um nome, o PAR: Programa de Aulas Remotas.

Na parte 2 deste relato, vou contar como foi a construção dos demais Blocos de Atividades, as dificuldades, reclamações e potencialidades, o dilema de recuperar as aprendizagens, os processos de avaliação em meio remoto, a formação dos professores e o resultado final desse trabalho, em 23 de dezembro de 2020. Mas eu o farei a partir da minha relação mais direta com o grupo de professores de história dos anos finais do Ensino Fundamental.

 

 

 


Notas

[1] <https://sites.google.com/edu.ipatinga.mg.gov.br/ensino-a-distancia-ipatinga>. Acesso em: 03 mai. 2021.

[2] IPATINGA. LEI 3.517 “Dispõe sobre a estruturação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Servidores da Educação da Rede Municipal de Ensino do Município de Ipatinga e dá providências correlatas.” Diário Oficial. Ipatinga, 12 de novembro de 2015. Disponível em: https://www.ipatinga.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_3517_2015?cdLocal=5&arquivo=%7B101BEB7A-4C67-DAE2-5DC4-BB1B2D6BE80A%7D.pdf. Acesso em: 27 abr. 2021.

[3] Em todas as ocasiões neste relato que vocês lerem “professores”, saiba que estou me referindo ao grupo de professores incluindo homens e mulheres, de maneira indistinta.

[4] PIMENTEL, Thaís. Professores apontam problemas ortográficos, plágios e conteúdos errados no material didático oferecido pelo governo de Minas. G1.globo.mg. Belo Horizonte, 06 de jun. 2020.  https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/06/08/professores-apontam-problemas-ortograficos-plagios-e-conteudos-errados-no-material-didatico-oferecido-pelo-governo-de-mg.ghtml. Acesso em: 26 abril. 2021.

[5] https://www.youtube.com/watch?v=DJEKzpBXXzg. Acesso em: 26 abr. 2021.

 

 

 


Créditos na imagem: reprodução. Foto: Shutterstock

 

 

 

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