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Coscorão, livros, gibis &  bijus
Proust Suburbano

Coscorão, livros, gibis & bijus 

Gostava quando o homem que vendia coscorão entrava na vila onde morei dos 4 aos 10 anos.

Minha mãe tinha um gato vira-latas, de pelagem rajada branca, preta e cinza que amava o homem que vendia coscorão.

Amava não o homem propriamente, embora entre suas pernas se trançasse, depois de correr de onde estivesse assim que ouvia o pregão e o barulho do instrumento sonoro que ele usava para chamar atenção dos fregueses.

O gato gostava do coscorão que o homem vendia. Uma pururuca crocante e cortada em tamanhos variados. O homem as retirava de uma lata que levava às costas. Vendia os pedaços envoltos em papel pardo, como se fossem guardanapos.

A vila quase toda comprava, as crianças corriam pra chamar as mães, que saiam de seus sobrados geminados para atender ao desejo das crianças.

O gato de minha mãe era o primeiro a chegar. Ele se chamava Caixinhas, porque nasceu em cima de uma caixa de figos em cima da máquina de lavar de minha mãe.

Tenho foto dele já grande, numa caixa de figos, em cima da máquina de lavar no quintal da casa onde morei dos 4 aos 10 anos. Atrás dele, na fotografia em preto e branco, há duas vassouras velhas, desgastadas. Uma de piaçava. Outra de pelos. Ele deitado na caixa.

Além do homem que entrava na vila para vender coscorão, entrava o homem que vendia livros, revistas e gibis.

Ele entrava com umas sacolas de lona cheias de publicações.

Além desses dois homens havia um terceiro. Ele também entrava com uma lata fazendo barulho e pregão. Ele vendia bijus.

O gato apenas gostava do homem do coscorão.

Eu amava o homem que vendia bijus.

Ele retirava da lata uns saquinhos de papel com uns 4 ou 6 biscoitos finos e alongados adocicados que na boca derretiam.

Não tinha data nem horário certo para o homem dos bijus ir à vila vender os biscoitos. Lembro de ser à tarde.

Eu invariavelmente brincava naquele chão de paralelepípedos, naquele chão de meninos, menino que eu era, eu e meus companheiros.

O gato Caixinhas imortalizei numa estória infantil.

Embora imortalizado, inédito Caixinhas ficou.

Hoje não imortalizo ninguém. Nem a mim, nem ao homem que vendia coscorão, nem o homem que vendia livros, nem o homem que vendia bijus.

Minhas memórias apenas rondam suas pernas.

Uma coisa são as matérias do diário. Outra, o modo como ele é escrito. Penso que mais do que o quê se narra o que interessa é como se narra num diário. Penso também que há diferenças de acordo com tempo, espaço, quem narra e para quem se narra.

Ao Caixinhas, esta memória.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Bijú | Band Receitas.

 

 

 

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