Fios, redes e sonhos de um Brasil

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Para Amália Dias, Nielson Bezerra, Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinicíus Natal.

 

Sonhar não custa nada! O memorável samba da Mocidade Independente de Padre Miguel de 1992 nos chama a não esquecer a força dos sonhos. É na passarela da vida e no acontecimento do carnaval que amarro um pensamento sobre um Brasil que para existir precisar sonhar. Nesse quadro é importante lembrar que o sentido da vida é a própria manifestação da diversidade, que de forma ecológica conflui, se integra e compartilha as energias em equilíbrio. Dessa maneira, o sonho, ao contrário do que muita gente pensa, não está vinculado com aquilo que não é real, mas é atividade necessária na manutenção saudável do que é vivo.

Nas reflexões de Sidarta Ribeiro e Ailton Krenak ambos nos falam sobre a importância dos sonhos, assim como nos alertam sobre os perigos da perda de intimidade com eles. Esse distanciamento com os sonhos pode dizer sobre um modo de vida adoecido, que sinaliza também o nosso esquecimento com o que somos em radicalidade, natureza. O cientista nos lembra que recuperar a boa relação com os sonhos é ponto chave para a manutenção da saúde e para uma maior compreensão de nossas existências e jornadas. O xamã nos fala sobre a força dos sonhos na capacidade de alargar subjetividades e ampliar possibilidades de interação com o tempo adiando a catástrofe que o humano, ao ser afastar do sentimento de natureza, criou para si e para todo o planeta.

Afastados dos bons sonhos que, como oráculos, podem nos apontar veredas de um mundo mais justo com a sua gente, bebo da poção mágica que a Acadêmicos da Grande Rio ofertou ao fazer baixar Tatá Londira na Sapucaí. Afinal, as caboclarias dessa terra, sabedoras de um amplo repertório de tecnologias encantadas, conhecem os segredos das folhas, frutos, cascas e cipós que ritualizados tem o poder de imantar os sonhos em nós como processos de cura e libertação. Afinal, cada elemento da natureza que tem o poder de acessar as dimensões mais profundas da existência humana são dotados de espíritos que guardam a sabedoria profunda de sua gente.

A curimba feiticeira armada na avenida teve a força de acessar o inconsciente de uma terra que anda sufocada pelo terror de um projeto de Brasil que não contempla a diversidade de seus moradores.  Joãozinho da Goméia cantado pela Grande Rio é o signo de um sonho que precisa ser apanhado para que o Brasil em sua diversidade de jeitos, gentes e liberto do mau agouro da Casa Grande possa emergir como curso político e poético de um mundo novo que precisa ser praticado de forma urgente.

Como cantando no sonho e no samba, a visão que parecia dor anuncia a presença de um modo que inspira e orienta a vida para além dos limites que violentam a diversidade. Dessa maneira, para ser bicho e gente, arte e política, remédio e veneno, ser o que quiser ser há de atravessar o pesadelo e fazer da vida um enlace de fios que sejam capazes de agarrar os sonhos, fazendo que nenhum sopro de má sorte nos façam perde-los de vista. A sina de todo caboclo dessa terra que não se perde dos sonhos da aldeia é atravessar o tempo como uma flecha que se lança sem a pretensão de saber onde irá cair. Afinal, toda a aldeia sabe onde mora o segredo, no mais profundo de si.

 

 

 


REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite: a história da ciência do sonho. – 1ºed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

RUFINO, Luiz e SIMAS, Luiz Antonio. Flecha no tempo. – 1º ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2019.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. – 1º ed. São Paulo: Companhia das letras, 2019.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Luiz Rufino

Luiz Rufino é pedagogo. Doutor em Educação (UERJ), atualmente realiza pós-doutorado em Relações Étnico-Raciais (CEFET/PPRER). Desenvolve pesquisa sobre crítica ao colonialismo, epistemologias, educações e pedagogias outras e brasilidades.

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