Maria Lacerda de Moura: performatividades intelectuais, anarcofeminismo e resistência antifascista

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“Sonhei muito. E meditei.

Meu pensamento voava contemplando, maravilhando, estático,

gerações inteiras.” (Maria Lacerda de Moura sobre suas primeiras leituras, no

livro Renovação, 1919)

 

A terceira escritora a ser apresentada é a mineira Maria de Lacerda de Moura (1887-1945). A trajetória da escritora, que também era poetisa, feminista e anarquista foi marcada por situações com repercurssões nem sempre positivas. Sempre preocupada e atuante em causas sociais e políticas, a escritora recebeu elogios, mas também duras críticas por seus ativismos progressistas. Sua obra é vasta, incluindo textos críticos, crônicas e conferências, para além das ações nas ruas e escolas, por exemplo. Dentre os temas das obras estavam também as críticas à moral sexual burguesa (como no livro Religião do amor e da beleza), o amor plural, o apoio ao movimento operário, o antifascismo e o pacifismo.

Nascida em Manhuaçu, Moura cresceu em Barbacena, onde se formou pela Escola Normal Municipal de Barbacena como professora. Logo após se formar começou a trabalhar em torno da questão educacional integrando a Liga Barbacenense contra o Analfabetismo e sendo aclamada em periódicos da época por sua luta contra o analfabetismo. Publicou obras sobre o tema em específico, como o livro Em torno da educação, e pouco tempo depois começou a publicar textos nos periódicos locais. Importante mencionar que, no seu desenvolvimento, Moura conheceu e estabeleceu proximidades com expoentes de diversas áreas do conhecimento e de performatividades diversas. Um destes expoentes é José Oiticica, e este é um ponto a que pretendemos nos aprofundar para esta coluna; tanto Moura quanto Oiticica são importantes intelectuais anarquistas que se colocaram à frente de discussões decisivas em períodos conflituosos no Brasil e mesmo internacionalmente.

A partir da atuação feminista, Moura estabeleceu contatos e colaborou com, por exemplo, a pedagoga Maria Montessori e com Bertha Lutz. A escritora mineira chegou a presidir a Federação Internacional Feminina no início do século XX, quando morou em São Paulo. Entretanto, a preocupação do movimento feminista liberal com o sufrágio fez com que Moura se afastasse por acreditar que, naquele momento, tal necessidade atenderia aos interesses de apenas uma pequena parcela das mulheres brasileiras – devido à condição de que só poderiam votar aquelas que recebessem o aval do marido ou que tivessem uma determinada renda. Dentre as principais causas pelas quais Moura trabalhava, as melhorias para a classe operária também se destacavam, sendo esta sua justificativa para o afastamento, pois acreditava que havia pautas que poderiam ajudar mais mulheres. Também liderou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e ofereceu palestras e conferências sobre a subalternidade da mulher.

Os contatos da escritora com o anarquismo e seus expoentes, sobretudo a partir da década de 1930, lhe rendeu uma série de potentes publicações que tratavam das demandas feministas, críticas às condições de trabalho dos operários e sobre a 1ª Guerra Mundial. Neste período, é importante sublinhar, o número de críticas desfavoráveis ao trabalho da escritora torna-se mais visível em publicações da época. Os textos incisivos em que menciona nomes de políticos e militares e seus feitos fascistas, misóginos ou em que abusam do poder sobre os trabalhadores geraram grande reação de outros jornais e escritores conservadores. É perceptível que a constituição de suas pautas de ativismo, refletidas em suas publicações, apresentavam um ponto de vista consideravelmente mais amplo e consciente das realidades brasileiras. Percebe-se também que o intento de trabalhar por uma realidade social do gênero mais igualitária e articulando a noção das subalternidades era algo pouco concebido no período. O reconhecimento de Maria Lacerda de Moura foi, no entanto, nacional e internacional. A grande quantidade de obras publicadas em português e em espanhol atesta a sua relevância enquanto intelectual progressista. Este breve texto não poderia abarcar todas as características singulares e perspicazes do trabalho desta escritora, por isso, convido a leitora e o leitor a lerem as obras atualmente acessíveis. A experiência da leitura de Maria Lacerda de Moura nos confere o olhar sobre a existência de um leque de trajetórias, lugares e de performatividades que foram fundamentais a muitas mudanças sociais no Brasil e que ainda precisam ser melhor estudadas e democratizadas.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

MOURA, Maria Lacerda de. Renovação. Belo Horizonte: Typ Athene. 1919. Disponível em: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/8041>.

MOURA, Maria Lacerda de. Via di qui, profanatori!. A Manhã. 2 de dez. de 1928, p.2. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/116408/6728?pesq=%22maria%20lacerda%20de%20moura%22>.

Para a emancipação intelectual da mulher: os fins da nova Liga expostos pela Sra. Maria Lacerda de Moura. A Noite. 1 de jan de 1921, p. 2. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/348970_02/2137>.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: SILVA, Bárbara Moreira. Arquivos e feminismo: o acervo de Maria Lacerda de Moura. Não me Kahlo. 21 de jun de 2021. Acesso em 30 de out de 2023. Disponível em: <https://naomekahlo.com/arquivos-e-feminismo-o-acervo-de-maria-lacerda-de-moura/>.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Paula de Souza Ribeiro

Mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto na linha de pesquisa Poder, Linguagens e Instituições. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membra do Grupo de Pesquisa Justiça, Administração e Luta Social - JALS, sediado na UFOP. Ênfase de atuação nas áreas de História da Arte, História do Brasil Imperial, Musicologia, Curadoria e Patrimônio Cultural.

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