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“Na farmácia do passante”:  uma leitura de Achille Mbembe
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“Na farmácia do passante”: uma leitura de Achille Mbembe 

A leitura do texto de Achile Mbembe, Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada, publicado em 2013 pela edições “Mulemba”, de Angola, não deixa dúvidas: repensemos frases, conceitos, ideias, baloucemos imagens evidentes tais como “sociedade”, “cultura”, “identidades”, “descolonização”, aquelas mesmas formas que suturam nossa imagem do si mesmo e do outro.

O lugar da sepultura, por exemplo. A palavra escancarada logo de início para informar e sensibilizar sobre a inconteste evidência do outro, o irmão – dialética do próximo e do distante -, o outro de Caim: o cadáver sem mortalha e sem anúncio. A denúncia é a primeira das muitas partes de um texto desenhado à maneira autobiográfica, mas que nos surpreende em alcance. Do pequeno vilarejo de Camarões, o acidente, espaço tangível através da lembrança visual, olfativa e corporal; “o fragmento de memória” assinala a presença de um sujeito que fala de seu país, do próximo e do fixo, de suas dores, perdas e meditações – até que se distancia.

O corte claro e determinado – o afastamento da comunidade e da ‘África-mãe’, doadora de sentido e de imagem automática – se impõe, ou se descobre. A pergunta ao questionamento dos corpos/ performances humanas, africanos ou não, é clara: “E o que é a liberdade, se não pudermos romper verdadeiramente com o acidente, que é o fato de ter nascido – a relação de carne e osso, a dupla lei da terra e do sangue?” (MBEMBE, 2017, p. 224). A identidade predeterminada em algo como ‘consciência de si’, Sujeito, Povo, Nação, parecem se dissolver em múltiplas camadas de novos arranjos, voltados, como de início, para o campo das palavras: pensar a descolonização como desarranjo e descontinuidade do próprio ser colonizado/ descolonizado: “esse corpo em movimento que nunca está no devido lugar, cujo centro se desloca por toda a parte” (MBEMBE, 2014, p. 16).

A partir do crânio de um morto, pontapé inicial, o cadáver particular de minha memória e do meu lugarejo. O esqueleto do texto é evidente em carne e formato: mais do que partir do particular ao universal, faz-se necessário repensar certas categorias, palavras, tais como aquelas que ainda hoje vigoram: universal e particular. Afinal, o que são? Se não pudermos torná-las seres em trânsito, entendê-las no rol do que Frantz Fanon e o próprio Mbembe chamaram a ética do passante, talvez caiamos mais uma vez no léxico universalista da civilização, que vez por outra inventa e reinventa os mesmos sentidos como “sociedade”, “cultura”, “descolonização/colonização”, caracteres que não cansam de habitar seu próprio lugar de nascimento.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

MBEMBE, Achile. Sair da grande noite: ensaios sobre a África descolonizada. Edições Pegado: Lisboa, 2014

MBEMBE, Achile. Políticas da inimizade. Edições Antígona: Lisboa, 2017.

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Ilustradora: Anastasya Eliseeva.

 

 

 

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