Só namoro mulheres negras: Foi o que aquele comediante disse na entrevista. Confesso que a princípio a frase me pareceu estranha, até mesmo “errada”. Depois, passadas algumas leituras, entendi que aquelas palavras eram um posicionamento político de quem já foi rejeitado e que já rejeitou o amor, por conta da cor. Entendi que, a partir daquele momento, ele decidia que: se o amor também é socialmente construído, se é uma escolha, então, ele escolheria amar mulheres pretas e seria escolhido por elas também. Coisa de pele. É bonito, até revolucionário. E se eu fizesse o mesmo? Se decidisse escolher e namorar apenas homens negros? Seria difícil, se a cada diploma alcançado e contrato assinado eu convivo menos com homens negros. Tenho medo de tomar essa decisão política e me sentir cada vez mais solitária no amor. Mas, ainda assim, peguei-me pensando em como seria viver um amor preto. Um amor preto, político e revolucionário:
Queria amar, pelo menos uma vez, alguém que soubesse que eu sou pesada antes mesmo de ouvir minhas histórias
Queria não ter que explicar
Queria ser amada, pelo menos uma vez, por alguém que já tivesse lido a Beatriz Nascimento
Por alguém que entendesse o pretugues da Lélia Gonzalez
Queria amar alguém que entendesse o quanto me sinto sozinha às vezes
Que entendesse o quanto fico desesperada ao ouvir dizer que mais um jovem negro foi assassinado no trabalho, ou que amanheceu enforcado na delegacia
Afinal, meus irmãos ainda são jovens. E um deles gosta de exibir o black power e a camisa da Ângela Davis. E ele trabalha a noite! E fui eu quem deu essa camisa pra ele …
Queria amar alguém que entendesse o quanto é importante pra mim ler a dissertação da Marielle em sala de aula
Queria ser amada por alguém que entendesse que essas demandas feministas são, quase sempre, brancas
Que, embora o Segundo Sexo seja incrível, ele não é sobre mim
Queria amar, uma única vez, alguém que entendesse o quanto importa sair de mãos dadas
Porque, do contrário, eu sempre vou achar que ele sente vergonha de mim.
Que eu sou de novo a mucama e a concubina.
Que eu só tenho corpo.
Queria amar alguém que não achasse que o meu corpo está disponível para fazer o que ele quiser, e quando ele quiser.
Eu queria amar, uma só vez, alguém que tivesse se encontrado no movimento, que soubesse ser a sua cor
Alguém que decidisse lutar, e soubesse que o mais importante é terminar o dia vivo
Alguém que soubesse se reconhecer como raça
Queria ser amada, uma só vez, por alguém que me escolhesse primeiro pela cor. Que ficasse encantado com as tranças e que se apaixonasse só depois
Que decidisse me amar
Queria amar, uma só vez, alguém que entendesse meus sonhos, meus medos, meus pesadelos
Só pra saber como é
Imagina só um amor vivenciado na pele
Com a bandeira de Wakanda na parede
Com um café moído na hora
Com um turbante na cabeça
um beijo no pescoço
e um livro da Maria pra ler junto
Créditos na imagem: Reprodução: Capa do livro “Amor preto cura”, por Hercules Marques.
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Ana Paula Silva Santana
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