No latim, amor. Em mim, você.

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Eu sou, indiscutivelmente, compromissado com a origem e o significado das palavras, movimentos e coisas. As borboletas, por exemplo, parecem entender que o significado da vida é quase tão fluido quanto o significado do amor. Elas vivem tão pouco, quase nada, eu sei. Mas, inevitavelmente, vivem tudo o que precisam viver. Penso eu que essa linha do tempo em que corremos, respiramos e, às vezes, tropeçamos e caímos de cara no chão, precisa ser desgastada em cada um desses pequenos momentos. Eu vejo beleza nessa sincronia, dia e noite, noite e dia, eu e você, você e eu. Somos serendipidade, acaso, borboletas, gargalhadas e música, embora eu também goste de pensar que somos contradição e a prova de amor mais bonita de todos os tempos.

“Eu velejava em você”, cantou Maria Bethânia ao pôr do sol da Bahia. Ela entende de amor, é sua especialidade. Ela também me entende, de certa forma, somos amigos sentimentais.  Bethânia não me conhece, mas, de todas as maneiras, parece fazer leituras árduas do meu diário e coração. Se me vejo, quase sempre, como manuscrito incompleto. Me completo, todas às vezes, que ouço suas músicas. Existem portas no meu âmago que somente meu amor e Maria Bethânia conseguiram acessar. “Você pode entrar sem bater”, ela cantou e você entrou.

Portanto, vivo em fuga, quase sempre correndo atrás de letras e tentando achar brechas literárias que expliquem o que sinto. Meu livro de cabeceira é o dicionário e, mesmo sendo possuído de certo fascínio por palavras difíceis, sempre acabo voltando nas quatro letras que formam meu reflexo, minhas complexidades e toda a construção do meu ser, a palavra amor. Não ironicamente, seu nome, assim como o som da palavra “vida”, também é a união de quatro letras e duas sílabas. Se me lê como, audaciosamente, quem lê uma charada, saberá que na inversão das sílabas de uma palavra terá o nome de quem dedico esse escrito.

Assim, me pego observando os milésimos de segundos e, aquele segundo, no entrelaçar dos nossos dedos e no laço dourado que nos une, é a porta para um espaço extraordinário no mundo, é bonito como o corpo celeste e grandioso como a maior pirâmide do Egito. Na sorte, existimos e estamos. Nossas histórias, em uma série de eventos e coincidências, se esbarraram. Essa colisão resultou no capítulo mais emocionante e confuso, mas sempre tão específico, da minha vida. É aquele minúsculo acontecimento, nota musical, é a linha tênue entre o clássico e o clichê, são todas as nuvens do céu e a mais profunda saudade. É um livro com sinônimos substanciais, quase inacessíveis, poucos conseguiriam nos ler.

Eu me vejo nos pontos e excessos de vírgula, na respiração ofegante e no quase, sempre emaranhado de palavras. Quando Djavan canta Oceano, me vejo em tantas camadas. E, por uma possível ordem cósmica, eu te vejo todo dia como se visse o mar pela primeira vez, vejo você nas músicas de amor, nas etimologias mais complexas, no voo das borboletas e na sincronia de nossas risadas, em meus sonhos e no meu primeiro pensamento de todas as manhãs, no nascer do sol e no vento fresco que corre entre os galhos das árvores, no suspiro e no arrepio, no conforto do nosso abraço e em tudo que possa ser plural. Eu te vejo naquilo que não posso dizer no fôlego de uma frase só, em páginas shakespearianas, Baby 95, pétalas de orquídea branca e Basquiat. Em todas as poesias tem um pouco de nós, em todas as coisas bonitas e inspiradoras tem você.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Fotógrafo: @lentesdodavi.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Isaac Veloso

Historiador e idealizador do coletivo Catarse Histórica. Mestrando em História Social no Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Escritor.

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