O bolsonarismo não surgiu sozinho, é preciso lembrar!

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Noutro texto nesse mesmo espaço havia apontado que “o pato amarelo está manchado de sangue”: uma forma de dizer que as classes dominantes eram cúmplices dos caminhos tomados pelo Governo Bolsonaro. Convém agora lembrar aqueles que, por conta própria, decidiram manter distância do atual governo ou daquilo que o bolsonarismo representa.

Como é observável (pelo menos em aparência), muitos dos antigos aliados do bolsonarismo estão deixando de surfar nessa onda. Neste momento, uma lista enorme de nomes e grupos poderiam ser citados. Alguns bem evidentes como aquele que, em 2018, estampava em suas camisas a união com Bolsonaro, resultando no “BolsoDória”.

Tomemos, por outro lado, um caso mais específico e, acredito, mais sutil. Aqueles que não necessariamente se intitularam ou se filiaram assumidamente ao bolsonarismo, mas que ajudaram a fomentar esse fenômeno. A volta de Leandro Narloch ao quadro de colunistas da Folha é exemplar nesse sentido. Famoso pelos seus Guias politicamente incorretos da história, nos debates internos ao campo da história o autor é comumente lembrado por seus enormes equívocos históricos e usos desonestos de produções realizadas por outros historiadores. Mas tal dimensão não esgota os efeitos do “narlochismo” e seus congêneres.

Tal retorno não passou batido pelos seus colegas de Folha. Ao menos, cinco textos abordaram essa volta[1]. O título do artigo de Reinaldo José Lopes é lapidar: Narloch tem de fazer mea culpa por ajudar a envenenar o debate público brasileiro. O que resta de dúvida é se o autor se sente, de algum modo, “culpado”. Com o bolsonarismo ruindo, mantendo o apoio apenas de sua base mais fiel, é certo que manter distância dessa corrente conservadora parece ser, até em termos de imagem, o “mais correto”. Disso resulta, como dito mais acima, em certas deserções da frente bolsonarista.

Quer se dizer com isso que o bolsonarismo é mais amplo e não se limita ao clã Bolsonaro. Às vezes, apresenta-se de modo “disfarçado”: muito mais soft, de sapatênis e suéter. Narloch, nos seus Guias, semeou aquilo que hoje traduz-se na negação da ciência e, talvez, na linha de raciocínio dos movimentos antivacinas. Contribuiu para a invenção da figura do “professor do doutrinador”, da ideia imaginativa do conhecimento científico e acadêmico “marxista, mentiroso que só conta um lado da história”, criticando, por exemplo, várias vezes o ENEM e a própria produção universitária.

É preciso lembrar, portanto, nestes tempos em que quase ninguém quer se associar a Bolsonaro, que o bolsonarismo – não necessariamente sob esse epíteto – é algo mais amplo, de tendências mais profundas e, até, com uma boa capacidade de camuflagem. Ainda com Reinaldo José Lopes, repetimos: “o narlochismo não passa de linha auxiliar do bolsolavismo”.

 

 

 


NOTAS

[1] Negacionismo de sapatênis de Thiago Amparo,  Planeta queima, Folha assopra por José Henrique Mariante, Molecagem à beira do abismo escrito por Antonio Prata, de Joel Fonseca temos Os limites da liberdade de expressão e, por fim, o preciso texto de Reinaldo José Lopes: Leandro Narloch tem de fazer mea culpa por ajudar a envenenar o debate público brasileiro.

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Foto: Fernando Bezerra/ EFE

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Arthur Harder Reis

Graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciando em Pedagogia pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP). Professor de história do Ensino Fundamental II.

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