Falar sobre o tema da Teoria da História por si só gera polêmica entre professores de história e historiadores. Afinal, definir o que é Teoria da História traz sentidos polissêmicos. Zoltán Boldizsár Simon em Os teóricos da História têm uma teoria da história? Reflexões sobre uma não-disciplina (2019), fala que a teoria da história tem dificuldades de definição, tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista institucional. Não obstante, a teoria da história sofre repulsa por uma parcela de estudantes de história – e também de historiadores. José Carlos Reis (2011, p. 5), faz o seguinte questionamento: Pode um historiador ser considerado culto e competente sem nenhuma preparação teórico-metodológica? Pode um professor, mesmo do ensino fundamental e médio, ensinar história sem nenhuma bagagem teórico-metodológica? Neste breve texto, tento fazer alguns apontamentos acerca da importância e do lugar da teoria da história no Ensino Básico.

De acordo com Fernando Seffner (2000, p. 259), quando um estagiário de história pergunta como a teoria da história irá aparecer em suas aulas, geralmente tem essas respostas. 1) “eu não gosto de teoria”, teoria é muito difícil para os alunos de primeiro grau. 2) “a teoria é algo que vai se expressar naturalmente dentro do conteúdo das minhas aulas, de maneira livre, sem que eu precise me preocupar com isso especificamente”. 3) “na primeira aula, eu vou discutir com eles o que é história e para que ela serve, e depois eu vou entrar na matéria, que é Brasil Colônia”. Bom, podemos ver que a teoria é tratada enquanto uma matéria difícil, também é pensada enquanto atividade natural, além de ser definida como uma introdução à história, na qual depois pode ser abandonada.

Parto da seguinte premissa, abandonar ou simplificar a teoria da história no Ensino Básico é uma conduta equivocada por uma série de questões. Todavia, irei elencar três argumentos para considerar importante a teoria da história no Ensino Básico, isto é – os motivos de considerá-la indispensável para o Ensino de História.

O primeiro aspecto a se considerar é que a história tem teorias e metodologias próprias. Assim sendo, o que diferencia um profissional da área de história de outro profissional ou leigo, é justamente o arsenal teórico-metodológico de pesquisa histórica que este profissional possui. Atualmente, num mundo digital bastante atuante na vida dos jovens e adultos, é comum se deparar com conteúdos históricos na internet – em especial vídeos no Youtube. Contudo, o risco de encontrar vídeos sem embasamento teórico-metodológico é grande. Nesse sentido, o consumidor de conteúdo histórico pode se nutrir de narrativas históricas bastante prejudiciais para a formação de sua consciência histórica. O risco de cair em negacionismos e revisionismos é grande. Desse modo, a teoria da história – em especial na Educação Básica – pode servir de instrumento para o profissional da história diferenciar as construções narrativas calcadas em teoria e metodologias das narrativas sem embasamento. A teoria da história é a disciplina responsável por dar racionalidade para a construção do conhecimento científico em história. A teoria da história não é inimiga do professor de história, pelo contrário, é ela responsável por lançar luzes para guiar o historiador, bem como o professor de história na escuridão do passado, isto é – ela ajuda na construção dos passados possíveis. Portanto, a teoria da história não é uma simples questão de gostar ou não, uma simples ferramenta que o professor de história usa quando quer. A teoria da história é, acima de tudo, o que constitui a história enquanto ciência.

Um segundo aspecto importante para o professor de história considerar a teoria da história no Ensino Básico é, sobretudo, demonstrar os diferentes pontos de vista em história. De acordo com Koselleck (2006, p. 161), “a ciência histórica atual se encontra sob duas exigências mutuamente excludentes: fazer afirmações verdadeiras e, apesar disso, admitir e considerar a relatividade delas”. O historiador alemão realça esse aporia importante da história na contemporaneidade, isto é – considerar as diferentes versões da história. Ora, a história tem inúmeras versões, portanto, os alunos devem conhecê-las. Para se conhecer uma interpretação histórica, esclarece Koselleck, é sempre preciso saber quem a formulou: um nativo ou um estrangeiro, um amigo ou inimigo, um erudito ou um cortesão, um burguês ou um camponês, um rebelde ou um súdito dócil. As narrativas podem se contradizer e, paradoxalmente, ser verdadeiras. Pode-se olhar sobre o mesmo tempo e representá-lo diferentemente, mas coerente e corretamente (REIS, 1999, p. 11). É só pensarmos nos livros didáticos de história, as inúmeras versões sobre determinado passado. Não há como dar aula de história sem teoria, no momento em que o professor apresenta um determinado livro didático, o mesmo está imerso em um arcabouço teórico- metodológico. Muitos pensam que o livro didático já está pronto, o conhecimento está ali, basta ler e aceitar o que está nele. O profissional da história deve instigar os seus alunos a ter autonomia como sujeitos pensantes, é instruir os alunos a ler o livro didático e saber problematizar acerca do que está sendo lido, pois a história apresenta-se em diversas versões históricas, na qual os alunos precisam entendê-las.

O terceiro aspecto a ser considerado é de cariz ontológico, ou seja, o nosso lugar no mundo histórico. Para Seffner (2000, p. 268), a reflexão teórico-metodológica em história possibilita que o aluno interrogue sobre a sua própria historicidade, inserida aí sua estrutura familiar, a sociedade ao qual pertence, o país, ou seja, fazer o aluno preocupar-se com a construção de sua identidade social, e as relações que o prendem aos outros, os discursos onde está inserido, etc. Assim sendo, a teoria da história na sala de aula também tem um aspecto ontológico-existencial. Afinal, é preciso refletir, conhecer e atuar com sabedoria no mundo na qual habitamos. O conhecimento, na verdade, antes de ser uma questão epistêmica, é uma questão prática.  No início do processo do conhecimento histórico está a carência de orientação da vida humana prática. O conhecimento histórico é disparado pelas experiências da divergência temporal e precede toda pensabilidade científica, a que serve de fundamento (RUSEN, 2001, p. 75). Desse modo, o aluno já vem do seu universo cultural com os seus conceitos prévios e, posteriormente, ele chega no conhecimento científico. Portanto, aí está a tarefa do professor de história, ajudar o aluno ampliar o seu horizonte de mundo. A fusão de horizontes gadameriana é importante, ou seja, é a partir do diálogo entre educador e educando que ambos podem despertar outras moradas de saber.

Por fim, a teoria da história é importante de ser abordada no Ensino Básico, pois ela nos ajuda a compreender as versões construídas sobre o passado, a especificidade do saber histórico, bem como a nossa historicidade no mundo na qual habitamos. Qualquer profissional da história que se abster da reflexão teórica, o mesmo estará colocando a história longe do conhecimento científico – e do saber questionador e reflexivo. Portanto, o professor de história não deve temer a teoria da história, pelo contrário, são os assassinos da memória, os grilhões do passado, os negacionistas, os usurpadores da história que devem temê-la.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

KOSELLECK, Reinhart. Tempo passado: contribuição a semântica dos tempos históricos. RJ: Contraponto/PUC, 2006.

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil de Varnhagem a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.

_________. O lugar da teoria-metodologia na cultura histórica. rth |, Goiânia, v. 6, n. 2, p. 4–26, 2014. Disponível em: https://revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973. Acesso em: 22 jan. 2023.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.

SEFFNER, Fernando. Teoria, Metodologia e Ensino de História.

SIMON, Zoltán Boldizsár. Os teóricos da História têm uma teoria da história? Reflexões sobre uma não-disciplina. 2019.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Blog Historiador Pensante, 2017.

 

 

 

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