Oportunidades
ÚLTIMO POSDCAST LANÇADO

Blog Post

O pato amarelo está manchado de sangue
Ensaios e opiniões

O pato amarelo está manchado de sangue 

 Em maio do ano passado, ainda nos primeiros momentos da pandemia no Brasil, escrevi um texto para o dossiê Ciências Humanas e a Covid-19 deste portal. Naquela ocasião, não escrevi, por certo, nenhuma novidade. Lembrei que os mais afetados pela pandemia seriam os pobres, especialmente os negros. Algumas matérias e reportagens publicadas posteriormente, somadas as que levantei em maio de 2020, não deixam dúvidas quanto a infeliz e esperada precisão do diagnóstico.

9 meses depois, irei fazer a mesma coisa: um texto que não apresenta, por certo, nenhuma novidade. Acredito, porém, que desta vez as afirmações que seguem não são tão evidentes assim, pelo menos em um primeiro momento. A questão que pretendo abordar aqui ganhou relevo neste mês de fevereiro, embora já se estendesse muito antes dele. Qual seja: a relação entre o governo Bolsonaro, impeachment e a péssima condução do enfrentamento da pandemia.

Há certo consenso, entre a esquerda e a direita não-bolsonarista, de que a atuação do governo Bolsonaro foi desastrosa. Podemos mencionar o negacionismo do presidente, as trocas no Ministério da Saúde (que não resolveram muita coisa), a insistência no uso da cloroquina, o caos em Manaus, a atrasada e lenta “campanha” de vacinação e por aí vai. Desse consenso de análise, surge outro. O impeachment seria, então, uma possível “solução”. Afinal, ao todo, já são mais de 70 pedidos.

Lilia Schwarcz, em seu canal no Youtube, publicou recentemente um curto vídeo sobre o impeachment, afirmando que seria um ato simbólico importante. A oposição seletiva dos grandes grupos midiáticos, como a Folha de S. Paulo e a Rede Globo, também reforçam a culpabilização (correta) do governo Bolsonaro. As já tradicionais críticas mais a esquerda, somam-se a esse quadro. É lugar comum.

Pouco se fala, por outro lado, sobre quem, de fato, mantém este (des)governo. Não à toa, a edição do Le Monde Brasil de fevereiro de 2021, tem logo em sua capa a seguinte questão: “Quem sustenta este governo?”. Jones Manoel, logo no começo deste mês, postou um interessante vídeo sobre “frente ampla e liberalismo de esquerda”. Neste cenário um pouco mais crítico e de análise mais ampla, como parte da oposição já percebe, a insistência romântica será contraproducente, ainda que alguns acreditem que Bolsonaro não esteja livre do impeachment . Aliás, quando Rodrigo Maio pensou mais a sério a abertura do processo, o “mercado” o inibiu. Não se trata de negar o impeachment e sua importância, mas de encará-lo com os pés no chão, para, assim, vermos melhor quais são as nossas saídas.

Enfim, é esse último que nos interessa: o “mercado”. E aqui entra, tal como fiz naquele texto de maio do ano passado, a “novidade que não é tão nova assim”. Afinal, em um exemplo, a experiência do impeachment (golpe) de 2016 é esclarecedora da força articulada do “mercado”, em especial quando a grande mídia decide entrar seriamente no jogo (e não essa oposição seletiva à Bolsonaro) (Cf. JINKINGS; DORIA; CLETO, 2016; MATTOS; BESSONE; MAMIGONIAN, 2016; GALLEGO, 2018). O já lembrado Le Monde Brasil deste mês nos ajuda a entender como que este (des)governo ainda sobrevive, em outras palavras: quem também tem muito sangue nas mãos.

Silvio Brava, sem meias voltas, questiona:

 

Por que o Congresso não atende aos mais de sessenta pedidos de impeachment que estão na gaveta de Rodrigo Maia, que recentes revelações denunciam como um dos responsáveis pelo golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma? O que fazem os verdadeiros donos do poder, os grandes grupos econômicos que ainda sustentam esse governo? A Febraban? A CNI? A Fiesp? O agronegócio? Se nossa democracia é controlada por eles, os bilionários brasileiros avalizam essa transição para a barbárie?[1]

 

A crua resposta é sim. A Fiesp, aliás, usando de seus vultuosos recursos veiculou em horário nobre uma peça publicitária, utilizando cinicamente o delicado momento da pandemia e seus corolários, como o desemprego (como se se importasse!), para atacar os servidores públicos. Luiz Filgueiras, por sua vez, aponta para o amplo consenso (e aqui estão Fiesp, agronegócio, Febrapan, Rede Globo…) que dá base ao Governo Federal e acaba freando o impeachment:

 

Acima dos interesses particulares das distintas frações do capital e da burguesia, sob qualquer critério utilizado para defini-las – tipo de vínculo/relação com o imperialismo, tamanho, setor de atividade e/ou destino da produção –, deve-se reconhecer a existência de um amplo consenso entre todas elas, qual seja: a defesa e a execução das reformas e políticas econômico-sociais neoliberais, com a destruição dos direitos sociais e trabalhistas conquistados desde os anos 1930 e ampliados na Constituinte de 1988. […] Esse consenso constitui a primeira e principal razão que explica a resiliência de Bolsonaro e de seu governo, apesar de todas as barbaridades e insanidades já cometidas.[2]

 

Guilherme Mello[3] e Armando Boito Jr., nessa mesma trilha, reconhecem possíveis divergências entre o bolsonarismo (de notável inclinação fascista) com setores da classe dominante, especialmente aqueles que, segundo Boito Jr., endossaram o neodesenvolvimentismo dos governos petistas. Mas ainda assim:

 

Por que, então, essas frações da burguesia ainda se mantêm fiéis ao governo? Por que na grande imprensa comercial, no Congresso Nacional e entre as associações empresariais ainda não soa alto a exigência do impeachment? A resposta, como muitos intelectuais e dirigentes do movimento operário e popular têm indicado, encontra-se na política social neoliberal e regressiva de Paulo Guedes. Ela, e nem tanto a política econômica neoliberal, tem sido o garantidor da unidade burguesa até aqui.[4]

 

Esse amplo consenso que sustenta Bolsonaro, me parece (o que me motivou a escrever estas linhas) esquecido por muitas pessoas. Passa incólume por muitas críticas. O Fantástico não nos lembrará disso, tampouco os editoriais da Folha. Não quis me furtar de reproduzir essas citações, ainda que destoam do ambiente deste portal, tão mais lírico e literário. Afinal, expressam, ao meu ver, sinteticamente questões que devem ser ditas, ao menos para figurar no debate.

Se há muito sangue nas mãos do governo Bolsonaro (este responderia: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”), fruto do negacionismo, falta de seriedade no enfrentamento da pandemia, atraso na campanha de vacinação, incentivo quase que diário a não seguir os protocolos de segurança, e por aí vai, há outros que também estão com as mãos sujas.

O pato amarelo da Fiesp, está manchado, manchado de sangue.

 

 

 


REFERÊNCIAS

GALLEGO, E. (org.) O ódio como política: a reinvenção da direita no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.

JINKINGS, I; DORIA, K; CLETO, M. (orgs.) Por que gritamos golpe?: para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016.

MATTOS, H; BESSONE, T; MAMIGONIAN, B. (orgs.). Historiadores pela democracia. O golpe de 2016: a força do passado. São Paulo: Alameda, 2016.

 

 

 


NOTAS

[1] BRAVA, S. Rumo ao Quinto Mundo? Le Monde Brasil, n. 163, p.3, fev. 2021.

[2] FILGUEIRAS, L. As classes dominantes e o governo Bolsonaro. Le Monde Brasil, n. 163, p. 4-6, fev. 2021.

[3] MELLO, G. A frente neocolonial. Le Monde Brasil, n. 163, p. 6-8, fev. 2021.

[4] BOITO JR, A. A unidade em torno da política social neoliberal e regressiva de Paulo Guedes. Le Monde Brasil, n. 163, p. 9-11, fev. 2021.

 

 

 


Créditos na imagem: A legenda é: Bath Duck Toy | Canva

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “113”][/authorbox]

Related posts

Deixe um comentário

Required fields are marked *