Enquanto eu transcrevia um arrazoado
na Biblioteca Mário de Andrade,
e aguardava a hora da onça beber água,
já matara um homem,
a fome que me matara.
Enquanto o dia transcorria,
e eu o transcrevia,
aguardava a hora de Indianara.
Eu nem sabia, eu nem a via.
Eu era o copista
e das almas deste mundo eu me lembrava
eu as copiava.
Enquanto o dia me transcrevia
e eu transcorria
eu me lembrava que vividas as coisas vívidas
eram coisas que ardem e choram.
Eu nem sabia da Casa Nem,
do projeto de inserção de gente considerada nem.
Eu de ônibus desci a Rua Augusta,
o elétrico e o tempo da escola de teatro,
disso eu me lembrava.
Enquanto ao filme eu assistia2,
e a travesti a meu lado chorava,
depois sorria,
Indianara era a luz que abriga,
a luz que de tão forte ofuscava.
E quando a luz de serviço da sala acendeu
a realidade não era presa de siri
e o brilho era dos olhos de todos,
saídos dos olhos de Indianara.
Enquanto para casa eu voltava, o filme eu revia,
a realidade transbordara.
NOTAS
1 Inaugurando nova fase na Proust Suburbano.
2 O filme mostra a trajetória da ativista transexual Indianara Siqueira, uma das idealizadoras da Casa Nem, abrigo para pessoas LGBTIs em situação de vulnerabilidade no Rio de Janeiro. O filme retrata os atos de resistência da militante contra as ameaças e ataques a travestis e transexuais no Brasil. Diretores: Aude Chevalier-Beaumel, Marcelo Barbosa. Elenco: Indianara Siqueira, Wescla Vasconcelos, Biancka Fernandes, Luciana Vasconcellos, Mauricio Susano.
Créditos na imagem: Divulgação. Premiere do filme Indianara.
[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “156”][/authorbox]