para Paulo Simkevicius

(in memoriam)

 

Meu avô paterno, um senhor lituano que veio para o Brasil no início do século passado e durou pouco, fazia um prato que meu pai ensinou minha mãe a fazer.

Meu avô não tinha geladeira quando meu pai era criança. Deixava a panela no chão frio de São Paulo da periferia, que à época era a terra da garoa.

A cidade aclimatara meu avô. Ele se aclimatara na cidade.

Meu avô povoou São Paulo com onze filhos, de dois casamentos com mulheres lituanas.

O prato? Era um mocotó reforçado, que frio se cortava e se comia aos pedaços.

Não sei se meu pai ensinou minha mãe a fazer a iguaria por gostar muito de mocotó à moda de meu avô ou se ensinou para se lembrar periodicamente de meu avô, pai dele.

Eu convivi pouco com aquele homem que veio de uma região báltica. Convivi mais com um dos irmão dele, que fez família primeiro em São Paulo, depois no Rio de Janeiro onde foi morar até morrer. O outro irmão fazia brinquedos de madeira à moda de Walter Benjamin. Esse foi desta para melhor bem antes de meu avô e do tio morador do Rio.

Mocotó mesmo me lembro apenas de ter comido na casa de minha mãe. E de comer em algum pé sujo do Bixiga.

Lembro-me de outros pratos lituanos como kuguilis (bolo de batata), vertini (massa recheada), borsht (sopa de beterraba), kopustas (repolho), agurkas (pepino em conserva) e silke (arenque defumado); mas, esses não vêm ao caso hoje.

Lembro-me da canção popular eu quero é mocotó.

Acho que mocotó meu avô deve ter aprendido a fazer por ter convivido com brasileiros, nordestinos, nortistas, entre outros. Embora, uma geleia salgada, com carnes defumadas, de comer em pedaços se faça na Europa, no Leste Europeu também. Meu avô deve ter trazido de lá, da Lituânia, uma memória, uma receita.

Amanhã, vou almoçar com meus pais. Minha mãe me convidou ontem para comer mocotó. E disse:

– Vou fazer como seu avô fazia.

Como seu avô fazia foi a senha para me dizer:

– Venha. Você tem que vir.

E eu vou mesmo. Eu sei que ela quer que meu pai coma. Ela anda preocupada que ele, aos mais de 80 anos, tem comido pouco, menos.

Ela procura cozinhar coisas que supostamente meu pai há de comer com mais gosto, volúpia e em quantidade.

Amanhã é dia de comer memória. E de manter meu pai vivo. Eu, a mãe e o pai. Não uma divina trindade, mas um trio mocotó. Um trio unido em torno da mesa.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução.

 

 

 

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