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Um corpo de mulher, uma história para contar, e uma música para ouvir uma vez mais: Uma entrevista com Thamara Rodrigues
A história que eu quero ensinar

Um corpo de mulher, uma história para contar, e uma música para ouvir uma vez mais: Uma entrevista com Thamara Rodrigues 

A nossa entrevistada de hoje é uma historiadora intimamente envolvida com o ensino, com a luta política, a resistência, a pesquisa histórica e a divulgação dessa pesquisa em diferentes âmbitos e perspectivas. Da historiografia à sala de aula, dos grupos de estudos ao portal HH Magazine. Hoje vamos conhecer a História que a Thamara ensina.

Thamara Rodrigues é professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Possui licenciatura (2011), mestrado (2014) e doutorado (2019) em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Realizou estágio no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Stanford durante o mestrado e o doutorado (2014/2017-2018). Possui pesquisas ligadas à Teoria da História, à História da Historiografia Brasileira, às Epistemologias Populares e à História do Brasil Imperial e Contemporâneo. É uma das editoras responsáveis pelo portal HH Magazine: Humanidades em rede. Integra a huManas: pesquisadoras em rede e o Laboratório X de Encruzilhadas Filosóficas (UFRJ). Entre seus projetos atuais dedica-se à investigação do pensamento onírico e sua relação com a experiência histórica e com a temporalidade contemporânea. Também investiga formas de experiência estética da cultura cotidiana brasileira dos anos 1970. Foi professora substituta de História do Brasil Contemporâneo na UFOP (2019) e professora do curso de Especialização Lato Sensu em História do Brasil da Universidade Católica de Petrópolis (2013-2014).

Ana – Boa noite Thamara, muito obrigada por ter aceitado o convite para esta entrevista. É um prazer conversar com você. E sobre quanta coisa podemos conversar! A coluna é de Ensino de História, mas também é sobre arte, sobre experiências, enfrentamentos e lutas, teoria, cultura… E você tem propriedade para falar sobre qualquer um desses assuntos. Vamos conversar sobre cada um deles. Comecemos pela sua trajetória, e, principalmente, pelo o seu interesse no ensino. Como o Ensino de História ganhou espaço na sua vida?

Obrigada pelo convite, Ana! É uma alegria conversar com você e espero poder ajudar com seu projeto. O Ensino ganhou espaço na minha formação logo no começo. Quando entrei na universidade em meados de 2008, o estímulo à docência ganhava um direcionamento político importante através do PIBID. No primeiro semestre de 2009, no segundo período do curso, tive minha primeira bolsa através do Programa, coordenado pelos professores Virgínia Buarque e Juan Timóteo. O projeto desenvolvido por dezoito bolsistas junto às escolas públicas da região de Mariana e Ouro Preto foi incrível. Produzimos curtas-metragens juntos aos alunos e professores da rede pública, tematizando as vivências dos estudantes com a própria escola, o direito à cidade, ao patrimônio… Foi uma experiência realmente decisiva, na qual percebi que a despeito do direcionamento que tomasse minha formação, haveria nela uma preocupação sobre como minhas aulas poderiam ser minimamente importantes para meus alunos em suas questões existenciais antes de tudo. E isso foi algo que nasceu lá, naquele projeto, em contato com aquelas escolas, estudantes e profissionais.

Como naquela conjuntura, a universidade tinha estímulos financeiros dignos, era possível experimentar diferentes processos formativos. Depois de um ano no PIBID fui para um Projeto de Iniciação Científica, no qual trabalhei com História da Historiografia e Teoria da História, o que direcionou bastante minha formação também. Mas o mais legal foi que pude perceber muito cedo – graças ao financiamento desses projetos que permitiram que eu me dedicasse integralmente à Universidade e não precisasse trabalhar – que o Ensino de História e a Teoria da História reuniam aquilo que de fato me interessava fazer em sala de aula e nas minhas pesquisas: discutir temporalidade – o caráter vivo do passado e seus impactos no nosso cotidiano – junto às questões sensíveis e existenciais. Agora, no começo da minha carreira como professora, é que estou tomando consciência aos poucos de como isso foi muito determinante no modo como entro em sala e do que espero que eu e meus alunos sejamos capazes de construir nela. Então, acho que o Ensino de História para mim é um processo construtivo de experiências, de afetos, de estímulos que nos ajudam (a mim e aos alunos) a estar no mundo, a lidar com ele.

Ana – Em 2018 você apresentou uma conferência no “Café conversa” do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM/ UFOP). Nessa ocasião você falou um pouco sobre a Teoria da História e a História da Historiografia nisto que seria uma abertura para “histórias não-convencionais”. O que são essas aberturas? E enquanto professora, você consegue enxergá-las também no Ensino de História?

Eu havia acabado de retornar do meu doutorado sanduíche na Universidade de Stanford. E, sem dúvida, essa foi uma experiência também decisiva. Stanford permitiu que eu entendesse algo fundamental que a formação na UFOP já havia me dado, mas que eu precisava aprender ainda mais a direcionar. (Veja, como o financiamento de pesquisas melhora vidas, pesquisas e abre perspectivas!). Pois bem, lá em Stanford eu pude perceber junto a dois professores, hoje amigos queridos, Hans Ulrich Gumbrecht e Ewa Domanska, que eu precisava não ter medo de falar também para fora da disciplina História. Não significava abandonar a disciplina, mas ter coragem também para assumir alguns limites que todo processo disciplinar produz: institui perspectivas, métodos, autores, formas de escrever como canônicos e deixa outras potências à margem. Deixa muita coisa boa à margem. Ewa Domanska era categórica comigo: “só a Teoria da História não dá para você! Traga a literatura, a música, a filosofia, as artes, outras discussões. Você pensa melhor a partir disso”. Gumbrecht também insiste nisso. O que talvez eu possa vir a fazer de melhor como professora e pesquisadora de História é me assumir também como uma profissional das Humanidades de modo mais amplo, cujos interesses com a dimensão existencial e estética não pode desaparecer do que eu faço, sem abandonar, claro, certa especificidade da minha formação.

Esse texto que apresentei no “Café e Conversa” e depois virou um artigo publicado na Revista História da Historiografia, foi, então, de forma ainda inicial e, também ingênua, uma tentativa de tentar entender o que Domanska e Gumbrecht estavam me mostrando. O que eu queria e quero fazer e não estava fazendo e, ainda não sei se estou, mas sigo tentando (risos). A disciplina precisa estar constantemente aberta para o que também não é convencional e sistêmico, isso a enfraquece temporariamente como disciplina, revela sua fragilidade. É o que nos tem mostrado as demandas por uma história das Áfricas que não seja apenas uma história da colonização, por uma história dos povos nativos que não seja apenas sua infantilização, e há inúmeros exemplos mais. Quando essas e outras questões infinitas se apresentam, a disciplina se “enfraquece”, e isso é bom. Ela se apresenta como conservadora, as tensões aparecem e daí outras práticas podem ser incorporadas e outros cânones (que também serão hierárquicos)  poderão ser constituídos. Daí a importância desse exercício de atenção para o que está à margem ser permanente. Isso não é fácil de fazer, a gente sabe. As tensões são grandes e os protocolos formais da própria disciplina – escrita de artigos acadêmicos, projetos, currículos, demoram a repercutir essas transformações.

No artigo que você menciona, eu tentava alertar para a importância da História da Historiografia e da Teoria da História acompanharem esses movimentos dissidentes, pois entedia e entendo a área como um campo de discussão também das formas pelas quais nossa relação com o conhecimento histórico, mas não só, são constituídos. E eu também explicava porque alguns espaços são privilegiados para a vivência dessas dissidências: a História Pública, as Histórias e Historiografias populares e, claro, o Ensino de História. O Ensino de História é um espaço decisivo para essas aberturas porque antes de ser um espaço de sedimentação de conteúdo, na minha compreensão, é um espaço de experimentação exatamente dos limites desses saberes instituídos. Enfim, o diálogo com esses espaços me deu coragem para enfrentar um pouco aquilo que Domanska e Gumbrecht me alertaram e que a formação na UFOP já tinha aberto.

Tenho tentado, então, conciliar essas questões nesse início de carreira. Hoje estou começando um projeto que a partir de uma prática epistêmica que procura assegurar a diferença, em diálogo com a Teoria da História e áreas afins: Filosofia, Antropologia e Ensino de História, procuro compreender e descrever as epistemologias, as ontologias e as cosmovisões relacionadas aos sonhos presentes nas reflexões dos pensadores como Reinhart Koselleck, Ailton Krenak,  Davi Kopenawa e também o lugar dos sonhos nas cosmovisões de matriz africanas, nos pontos religiosos, por exemplo. A experiência onírica como fontes, mas também como artífices teóricos para a tematização da experiência histórica. Acredito que tais abordagens desenvolvidas a partir de compreensões sobre a vida onírica oferecem aberturas que desestruturam o nosso regime habitual de pensamento e constroem diagnósticos e críticas ao modo de vida e ao pensamento ocidental, que impactam diretamente nossa relação com o conhecimento e também com os desafios sócio-políticos atuais. Enfim, é um projeto que dialoga com um monte de autores e questões canônicas, sem dúvida, mas busca também fissuras para enfrentar problemas próprios à disciplina História, às Humanidades e também do cotidiano. Vamos ver como fica.

Ana – Em vista de todas essas transformações e demandas da História, temos observado um número cada vez maior de historiadores interessados na história pública e na ocupação destes outros lugares, destas outras possibilidades para a divulgação da disciplina. Você é, para além de professora e historiadora, editora executiva do portal HH Magazine: Humanidades em Rede, e, portanto, gostaríamos que você falasse um pouco sobre essa função. Como a HH Magazine e a sua experiência com a divulgação histórica tem se relacionado com a sua pesquisa acadêmica e até mesmo com a sala de aula?

Eu tenho uma alegria enorme em fazer parte desse projeto editorial. A HH Magazine é uma inciativa da Revista História da Historiografia e da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia que procuravam uma maneira de democratizar o conhecimento produzido pela área, alcançando um público mais amplo, não apenas especialistas. Quando Rodrigo [Machado] e eu formos chamados para assumir a edição, sugerimos a ampliação para além da área da História e aí incorporarmos as Humanidades de forma geral. Com quase dois anos no ar, podemos dizer que o portal alcançou um sucesso significativo, o que não significa que não tenhamos um trabalho continuado para que ela consiga cumprir seu objetivo no que tange a levar conteúdo de qualidade cada vez mais para um maior número de pessoas.

Vou tentar focar na razão mais decisiva pela qual eu considero a HHM importante. Na condição de editora, eu percebi claramente que os profissionais das Humanidades, de alunxs a professorxs, precisavam de um espaço para escoar suas reflexões que não possuem espaço nos moldes convencionais de publicação. Uma resenha de um filme que acabou de sair, a revisitação de um livro clássico, uma análise da conjuntura política que não precisa se converter em um artigo acadêmico, esse seu projeto de estágio docência que ficaria em gavetas institucionais e por aí vai. E por isso também chegou para gente a demanda ligada às artes e literatura: a publicação de poesia, de contos… A HHM tem permitido que alunxs e professorxs e demais interessadxs estejam se descobrindo também como escritores, experimentando outros formatos de escrita, e de novas linguagens com a produção de podcasts, de vídeos… esses últimos formatos ainda menos recorrentes. Em tempos de História Digital, não basta colocar o conteúdo na rede, mas garantir condições para que os profissionais do setor se descubram aptos a essas experiências. Sem espaços como a HHM, a gente deixa adormecida uma potência criativa e isso pode ser mortal para a História e para as Humanidades.

Ana – Agora não se fala nada: amor, música e morte em 1972, esse é o título de uma das suas pesquisas atuais, e essa pesquisa me chama muito a atenção, não apenas pelo título poético e a premissa musical da década de 1970 no Brasil, mas principalmente porque a arte muda o mundo e transforma o humano todos os dias. E com a história não seria diferente. Diante disso, você pode nos falar um pouco sobre a entrada da música e das artes na sua pesquisa?

Claro! Esse projeto é muito existencial. É uma pesquisa que me ajuda a rever algumas questões da minha própria trajetória. Começou com uma questão boba. Meu pai tinha uma coletânea de vinis enorme, mais de 500, com os clássicos todos da MPB e algumas coisas internacionais. Quando ele morreu, eu tinha 15 anos, minha mãe e eu olhamos “aquelas coisas velhas” e jogamos fora.  Quase morro quando lembro disso. Tempos depois passei a entender que havia jogado no lixo a melhor herança que meu pai, pobre, negro e operário, me deixou. Olhar um vinil me fazia sofrer. (Veja a potência dos objetos, da materialidade). Tempos depois incentivada pelo Marcelo e pelo Guilherme, aluno da UFOP e DJ, comecei minha coleção. Guilherme chegou um dia no ICHS com uns 30 discos clássicos de presente.  Marcelo me deu a vitrola e quando ela chegou, sozinha em casa, coloquei o disco da Bethânia e do Chico. (Meu pai todos os dias cantava Maria Bethânia no banho e eu ia atrás da porta ouvir). Quando ouvi música num vinil de novo, meu amor pela música foi ressignificado e descobri um objeto de pesquisa que relacionava arte e temporalidade.

Ouvindo os álbuns, percebi que os discos de 1972 eram os que mais ouvia. (Eu, mentalmente, organizo os discos por ano, não por nome ou estilo. É uma mania). 1972 é um ano de álbuns clássicos da MBP (e da música internacional também). Só pra citar alguns exemplos tem o do Clube da Esquina, Expresso 2222 do Gil, Dança da Solidão do Paulinho, Transa do Caetano, Elza pede passagem, Elza e Roberto Ribeiro, Acabou Chorare dos Novos Baianos, tem o do Tim Maia, do Tom Zé, Dramaanjo exterminado da Bethânia… Vou parar por aqui. Você sabe que os trabalhos sobre estética do Gumbrecht são importantes para mim. Então, a partir da escuta desses discos começou a aparecer uma pergunta: como eles reagiam a temporalidade contemporânea pós 1968, aquela coisa do “sonho acabou”, o fim dos Beatles, a morte do Hendrix, o exílio do Caetano e do Gil e o fim da Tropicália. Claro que existe uma infinidade de trabalhos já realizados sobre isso relacionados tanto à história cultural quanto social da música, mas a minha abordagem entrelaça a questão da temporalidade (ou determinados imaginários ligados àquela temporalidade), e também a dimensão existencial e estética. Comecei a investigar as formas de experiência histórica e estética a partir dos discos, buscando levar à frente algumas intuições de Gumbrecht sobre as atmosferas históricas, a presença, a materialidade do passado.

Mas a coisa não ficou por aí. Quando contei ao Marcelo Abreu sobre o livro situado em 1972, ele imediatamente reagiu com uma história familiar muito sensível.  Na hora, eu pensei: “preciso ouvir histórias de pessoas comuns vividas naquele ano e registrá-las” e aí ficou mais sólido digamos um estudo da cultura cotidiana brasileira dos anos 1970. Então junto à análise do disco (as temporalidades que os discos tornam possível acessar), vai aparecendo na pesquisa relatos paralelos de pessoas comuns. Eu não sei muito como é que vai ficar, mas o projeto parte da música e encontra nos discos e nas pessoas um consolo e um desconforto que repercute exatamente o que a arte é: uma pausa, o instante no qual tudo está quieto. Tudo está dolorosamente certo, mesmo que este isso seja ilusório e temporário. Mas também é fissura, também convoca a ser mais do que se é, ela invoca mundos que nossos olhos não alcançam, embora algo em nós admita sua presença. Esse é um projeto que eu não tenho pressa para terminar.

Ana – Thamara, eu confesso que estou me perguntando sobre a utilização da música em sala de aula, e sobre o interesse dos alunos acerca do tema. Você utiliza as músicas de 1972 em suas aulas? E se utiliza, como os alunos têm recebido esta proposta?

Quando as disciplinas têm alguma relação possível com a música, ou com qualquer outra obra de arte, sem dúvida. Nas disciplinas que envolvem a ditadura civil-militar, por exemplo, toda essa discussão cultural aparece e faz sucesso. Mas me surpreendi quando me propus a dar, ainda na UFOP, uma eletiva com a proposta de enfrentar e compreender algumas atmosferas abertas pelos discos de 1972. A turma estava enorme e os alunos muito envolvidos.  Tinha uma demanda ali por esse tipo de exercício de pensar e também de se expressar a partir de outros referenciais que não exatamente textos ou só textos. A academia faz isso parecer menos importante, dotado de menor valor “intelectual”. Você tinha que ter visto o que alguns alunxs fizeram no seminário a partir do disco da Elza Soares de 1972 (Elza pede passagem), por exemplo. Os alunxs colocaram temporalidades em perspectivas e em diálogo, o que é muito difícil de fazer em uma narrativa convencional. Revelaram suas potências também artísticas, cantando, mas também suas dores, seus lugares de fala, suas trajetórias. Produziram conhecimento histórico de altíssimo nível, mas também estético. Enfrentaram questões intelectuais das mais difíceis, mas também existenciais. Foi muito potente.

Ana – Você é uma mulher, e com toda certeza a condição de gênero diz muito sobre a pesquisadora que você é, sobre as lutas que escolheu, e sobre os enfrentamentos, que suponho, apareceram no desenrolar da sua trajetória. Eu me lembro de quando estava ainda na graduação, quando em um grupo de estudos, ouvi você dizer algo como: “O problema é que as pessoas esperam que mulheres na academia falem apenas sobre trabalhos ligados a discussões de gênero. Não. Eu sou uma mulher e eu posso falar de gênero, mas também posso falar de teoria da história, de historiografia, de filosofia, e eu quero ser respeitada por isso”. E tudo isso fez tanto sentido para mim naquele dia, e faz tanto sentido para todas nós! Já me peguei inclusive repetindo essa frase algumas vezes. Poderia falar um pouco sobre isso?

Eu estava um pouco nervosa naquele dia. (Risos). Antes de tudo eu preciso esclarecer o seguinte: como professora e como profissional das Humanidades eu me vejo na obrigação de estudar continuadamente temas que envolvem discussões sobre desigualdades sociais, de gênero e étnico-raciais. Do contrário, não posso ir para sala de aula e formar alunos e alunas na medida em que essas questões nos atravessam completamente. Elas impactam na ausência de representatividade, na autoestima, na autocrítica sobre o trabalho que produzimos ligado à uma herança eurocêntrica e patriarcal e, por isso, epistemicida. Então, eu reforço: esses estudos são imprescindíveis a qualquer professor, estejam eles ligados ou não aos seus objetos de pesquisa.

Mas, a minha fala naquele evento, reagia ao fato de nós mulheres, minoria na academia, em alguns momentos não sermos levadas a sério quando discutimos temas que não relacionados à questão de gênero.  O mesmo me parece acontecer quando pesquisadorxs negrxs abordam temas que não diretamente ligados à questão do racismo. Um dos problemas disso é que continuam a nos colocar nas margens e, o mais importante, nos impendem de disputar algumas leituras centrais desse pensamento Ocidental e a reposicionar esse pensamento. Um exemplo, não podemos esquecer que Angela Davis, ao levar criticamente à frente algumas dimensões do trabalho de Marcuse, seu antigo professor, ela reinventou a escola de Frankfurt. Isso é muito grande, é gigante.

Ana – Bom, agora eu vou te fazer a pergunta curinga desta entrevista, tenho feito esta pergunta a todos os entrevistados. Esta entrevista está sendo feita em um período de pandemia, e, provavelmente será postada no portal HH Magazine em dois ou três meses. Diante disso, quais são as suas expectativas para esse futuro próximo? E, sobretudo, quais são as suas expectativas para o futuro do Ensino de História nas escolas e nas Universidades daqui para frente? Você acredita em alguma mudança significativa no ensino, ou até mesmo em alguma mudança temporal?

Sobre essa questão da mudança temporal de modo mais estrutural, acho cedo ainda para responder se a experiência da pandemia irá transformar nossos horizontes de futuros reduzidos, isto é, se a temporalidade estrutural do século XX continuará avançando sobre o século XXI, ou se novos mundos coletivos serão imaginados e construídos para além dessa sociedade que chamamos capitalista (vamos chamar assim para simplificar aqui). Mas o futuro está em disputa, sem dúvida. Existem muitas forças históricas em grande tensão. Não apenas em razão da pandemia, mas também devido às desigualdades sociais e econômicas que ela fez emergir de forma ainda mais explícita. Junto disso somam-se os protestos antirracistas com muita potência histórica e política. Esses fenômenos estão exigindo ainda mais das sociedades, sobretudo das ocidentais, algumas decisões urgentes que passam pelo combate das desigualdades sociais, de gênero, do racismo, do epistemicídio. Isso é urgente. As mudanças precisam ser estruturais, do contrário os horizontes históricos, os futuros, não se ampliam para o que chamamos “novo”. Penso que o futuro do Ensino de História, no Ensino Médio e nas Universidades, precisa continuar e ampliar o movimento de abertura radical para as diferenças, para outras epistemologias, outras cosmovisões, outros afetos, para defesa da democracia… É preciso desconstruir essa “mitologia branca” (para falar junto de Derrida), esse mito que é o logos e a suposta razão universal inventada pelo Ocidente que repercute em uma série de práticas violentas e tenta nos convencer de desistir do futuro e de outros mundos possíveis.

Ana – Por fim, quero lhe fazer uma provocação. Que música do ano de 1972 você recomenda aos nossos leitores após esta entrevista, e por quê?

Ah, que coisa impossível (risos!). Pode ser um disco? “Sangue, suor e raça” da Elza Soares e do Roberto Ribeiro. É um disco de samba lindo e pouco revisitado entre os clássicos daquele ano.

Ana – Muito obrigada Thamara! Foi um prazer te entrevistar e espero poder te encontrar e conversar com você em outras oportunidades também.

Obrigada, você! Foi ótimo poder me colocar em perspectiva!

 

 

 


Créditos na imagem: livrododesassossego / Disponível em: https://www.instagram.com/p/BzqUx_BJyN1/?igshid=1nzs44utn6h7u&fbclid=IwAR2uYoswwJ_V_b11g1idTAIisyK2qhsiLTrwOFblJK0hBLH7MV0Vpa46kF0

 

 

 


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