A complexidade de John Frusciante

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Por anos eu desenvolvo a minha visão artística  baseando-me na vida e nas obras de John Frusciante. Com o tempo, escrever sobre isso  tornou-se um caminho óbvio a ser tomado, claro. Externalizar alguns dos meus pensamentos sobre a arte que mais me toca é algo que vem me transformando, não apenas como pessoa, mas também como artista. Depositar alguns desses pensamentos sobre a pessoa que mais me inspira neste texto é algo que me dá prazer, e eu o faço com o mesmo.

John Frusciante, para mim, dentre tantas definições ou significados que isso pode tomar, é um exemplo, um modelo a ser seguido. Ele é o ser que mais me inspira, a sua arte é a que mais me toca, e  ousaria dizer que é a pessoa mais humana que  já vi. E para entender a maior parte do que vou escrever sobre a complexidade de Frusciante, é necessário cobrir parte de sua vida.

O início da vida artística de John se deu aos seus 18 anos, ingressando no Red Hot Chili Peppers. É difícil para mim imaginá-lo, na época, um adolescente um pouco mais jovem que eu, ingressar em uma das maiores bandas de Los Angeles, produzir e lançar um álbum e logo após, entrar em uma turnê mundial, rodeado de pessoas que ele não conhecia a fundo e vivenciando experiências que o marcariam para o resto de sua vida. Este é o tipo de visibilidade que uma pessoa igual a ele não estava de nenhuma forma preparado para lidar. Sendo este majoritariamente o motivo, sua dependência química, que se tornaria cada vez mais forte e à medida que ia se desenvolvendo, o tomava quase que por completo e o incapacitava cada vez mais. Isso foi um processo lento, tendo início antes do lançamento do álbum Mother’s Milk, em 1989, e se estendendo até 1992, durante a turnê mundial do álbum Blood Sugar Sex Magik (1991) quando deixou a banda pela primeira vez. A sua dependência e a relação conturbada com os integrantes da banda apenas continuava lhe fazendo mal, o que não torna surpresa nenhuma a sua falta de maturidade para lidar com os sentimentos que tais experiências lhe traziam, contribuindo apenas para o seu vício  tornar-se, de certa forma, mais forte.

As experiências de um jovem Frusciante pós-saída dos Chili Peppers são, no mínimo, interessantes de se analisar. Por exemplo: o álbum Niandra Lades and Usually Just a T-shirt (1994).

Este, na minha opinião, é o tópico mais complexo de toda a vida de John Frusciante. É certo dizer que sua dependência química e suas experiências de quase morte o transformaram, tanto como pessoa, quanto como artista. A expansão que John me trouxe com o Niandra, me instiga a refletir sobre a música de uma forma que nenhum outro artista jamais conseguiu. Ao tentar, propositalmente, produzir uma obra ruim, John Frusciante de alguma forma, dentro de toda a sua loucura e confusão que passava na época, conseguiu produzir uma obra-prima musical. O Niandra Lades traz em si a forma mais humana e honesta de música possível. John trouxe e expôs isso com o álbum, é algo natural, algo honesto, que representa tudo o que John era naquele determinado período de sua vida.

Essas reflexões sobre a musicalidade e a arte de John me fazem pensar na maestria que ele toma para si em distorcer os conceitos que antes eu tinha sobre música, conceitos esses que eram sim, bem rasos. A profundidade que Frusciante me entrega como artista e pessoa transformou minhas visões sobre música e criação.

Após esse período, ao mesmo tempo conturbado e engrandecedor na vida de Frusciante, ele teve o seu primeiro retorno aos Chili Peppers com o álbum Californication (1999) e uma nova filosofia de trabalho.

Menos é mais.

A simplicidade musical de seu retorno a banda trouxe consigo uma maneira mais fácil para o artista expressar seu poder musical. Na minha visão, de forma alguma as produções da banda se tornaram simplórias, a simplicidade musical que John carrega consigo em sua guitarra é apenas uma maneira do artista canalizar e materializar de forma mais fácil sua musicalidade.

Essa “receita” de Frusciante, resultou em um dos triunfos comerciais de mais sucesso dentro do cenário musical, e claro, tudo graças a ele.

Após o sucesso comercial do seu álbum pós-retorno, John Frusciante teve uma explosão criativa nos anos seguintes. Tomou a liderança artística da banda e lançou incríveis 6 álbuns solo e 1 EP entre 2001 e 2004.

A razão dessa explosão criativa, na minha opinião,  deu-se como uma forma de se reencontrar dentro da música e criar laços com uma nova maneira de enxergar o mundo e claro,  manter-se longe das drogas. Seus 6 álbuns solo são o resultado dessas ações. Todos possuem uma certa similaridade sonora, porém são completamente distintos entre si, por exemplo: ao comparar o To Record Only Water For Tem Days (2001), que possui uma sonoridade mais crua, com resquícios da sua musicalidade da década de 1990, com o The Will To Death (2004), que possui uma sonoridade leve, simples e com um toque mais doce, encontrando na filosofia uma relação entre a vida e a morte,  nota-se que são obras completamente diferentes e distintas , mesmo que de alguma forma elas possam soar parecidas. O mesmo pode ser notado com os álbuns posteriores ao The Will To Death (2004).

E ao dar sequência na sua necessidade de encontrar novas conexões e reencontrar-se dentro da música, não se deve ignorar ou ocultar em nenhuma forma a importância de Josh Klinghoffer na evolução de John Frusciante. Muito de sua explosão criativa contou com o total suporte e apoio de Josh na maior parte de seus álbuns solo. O laço criativo e musical entre os dois estavam intrinsecamente conectados na época, o que destaca a humanidade de Frusciante perante as experiências que ele se propunha a realizar e a pessoa que ele construía e que, de pouco em pouco, se tornava.

Após esse extenso período de crescimento pessoal, John voltava às atividades dentro dos Chili Peppers para a produção do maior projeto da banda.  O ano de 2006, com o lançamento do álbum Stadium Arcadium, é definitivamente o seu ápice como guitarrista. Sua entrega, conexão e qualidade de seus materiais são em todo seu conceito, uma obra-prima. A maneira com que o artista conduz os seus sentimentos e os transmite para a guitarra durante todo o decorrer do álbum, a clara referência que ele toma de Jimi Hendrix em suas composições, os seus vocais que se entrelaçam perfeitamente com o tom do álbum, todos esses fatores corroboram para essa ser a maior obra do guitarrista dentro da banda.

Toda a história de Frusciante se deve muito as experiências que ele teve enquanto ainda era uma pessoa muito jovem. Experiências essas que ditaram sua evolução e que resultaram em uma pessoa extremamente complexa.

Essa complexidade como artista e pessoa é bastante visível em sua segunda saída da banda, em 2009. Devido a pausa nas atividade da banda, John e o restante dos integrantes chegaram em um consenso, e sua saída já se tornava realidade. Porém, dessa vez, a nova saída de John se dava de forma saudável, completamente diferente do antigo cenário que antes enfrentara, em 1992.

Frusciante saiu da banda em procura de novas experiências musicais e buscava explorar um lado que antes nunca havia sido possível explorar: suas habilidades na criação de música eletrônica e no uso de sintetizadores.

Na minha concepção, a segunda saída de John e sua entrada na música eletrônica se dá como uma espécie de libertação às coisas que o prendiam criativamente. Muitas vezes John já citou e confirmou isso. A música eletrônica e o uso de sintetizadores lhe deram liberdade que antes nunca sonhara com um instrumento como a guitarra, que é relativamente simples quando comparado com a complexidade dos sintetizadores. Então sim, John Frusciante se encontrou nesse cenário de liberdade, se encontrou na complexidade desses instrumentos, que o representavam da melhor forma que ele poderia imaginar.

Mas, porque então o seu segundo retorno aos Chili Peppers?

Bom, em 2019, 10 anos após sua segunda saída, John Frusciante se sentia no momento e no lugar certo para fazer o seu retorno. Como pessoa ele desejava ter esse nível de proximidade, conexão e vulnerabilidade com seus antigos parceiros novamente e como artista, extrair e criar tudo o que era possível a partir dessas interações. O álbum Unlimited Love (2022) é o fruto disso. É o fruto de toda a conexão e amor que John Frusciante tem a oferecer. É o que o álbum representa.

Toda a história de Frusciante não segue um caminho linear. O propósito deste texto é justamente explicitar o quão complexo foi o caminho de John e como eu tomo parte de suas experiências para mim. Muitas vezes algumas de suas escolhas parecem não fazer sentido, mas isso é apenas uma parte do que ele é, do que ele representa. Como artista, nunca se escondeu atrás do que é em nenhum momento de sua vida, e talvez isso seja o que mais me toca. Eu poderia ficar horas e horas explicando tudo o que sua arte fez por mim e tentando descrever o que eu sinto quando escuto suas músicas, mas muito disso seria em vão. O que eu sinto é único, jamais será a mesma coisa que outra pessoa ou o que você leitor, sente quando o escuta. É algo totalmente individual e para mim, John Frusciante consegue me representar. Sua pessoa me toca, a complexidade de sua arte me liberta, suas cicatrizes são parte do resultado disso, e tudo que John é me instiga a ser o melhor que eu posso. É a pessoa que mais me inspira a ser quem eu sou, sempre será.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Autoria de Jules Oreo.

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Pedro Gustavo Faria Maia

Graduando em História pela Universidade do Estado De Minas Gerais. Possui interesse pelo estudo das Humanidades, Teoria da História e Historiografia. Criador e integrante do projeto de extensão Ciranda do Disco. É representante discente do Departamento de Humanidades da Unidade Divinópolis e integrante do grupo de pesquisa Temporalidades e Histórias Populares.

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