Manaus, 21 de novembro de 18, 22h43min: Acabo de me despedir da minha cunhada e do companheiro dela.

Por inconveniências na mudança do itinerário de voo para Caracas, a Avior propôs-me mudar a data para dois dias depois do estabelecido. Então, eu tive que ficar dois dias em Manaus e, como a minha cunhada mora lá, aproveitei para curtir essa pequena estadia com ela. Foi bom!  Foi, de fato, meu primeiro encontro com o meu país. A melhor transição que eu podia ter!

Eu fiquei muito contente de ver ela tão resolvida e tão madura! Que mulher tão íntegra e “echada pa’ lante”!, como dizemos lá na Venezuela. Nesses dois dias falamos muito e eu acompanhei o cotidiano dela junto com o seu companheiro. Os dois são artesãos e com isso conseguem seu sustento, além de ajudar à família, como eu e como todxs xs venezuelanxs que moram fora do país. Elxs levam uma vida nômada, têm poucas coisas e o quarto em que moram é muito, muito simples.

No primeiro dia não conseguimos sair de casa. Eu estava muito esgotada da viagem desde Belo Horizonte. Depois de termos conversado muito, acabei dormindo na rede que elxs tinham arrumado para mim.

No segundo dia fomos fazer algumas atividades no centro. Eu fiquei chocada com a quantidade de venezuelanxs na cidade. Ao sair do prédio em que minha cunhada mora, no meio da rua, tinha um homem vendendo panos e, pelo jeito e pelas roupas, soubemos que era um venezuelano. Na Praça do Teatro da Ópera de Manaus, sentados num banquinho, uns jovens cantavam música venezuelana. Nem precisei escutá-los para saber disso! Um deles tocava um quatro! Quase imediatamente, nessa mesma praça, passou um casal com um quatro. Mais dois venezuelanxs! No ponto de ônibus, uma menina venezuelana falava com uma colombiana do que ganhava por diária fazendo faxina em casas alheias.

Minha cunhada tinha me falado para ir para a praia, mas não conseguimos ir porque teve uma paralisação de transporte e tivemos que mudar os planos. Aí fomos para um bairro pobre onde moram muitxs peruanxs, colombianxs e, mais recentemente, venezuelanxs. Indo para lá, foi muito engraçado escutar um cara vendendo água na rua. O seu jeito era tão venezuelano! No bairro paramos num boteco e pedimos umas cervejas. O tempo todo passavam pessoas falando espanhol. Nem parecia que estávamos no Brasil!

Enquanto bebíamos passou a Flaca, uma amiga venezuelana da minha cunhada. Ela estava nos contando que teve que se demitir do seu trabalho, que consistia em fazer e vender banana-chips. Não estava conseguindo dar atenção para a sua filhinha.

–Gente, eu acordava muito cedo, deixava minha filha na creche para vender as bananas na rua e, na volta, no final da tarde, a buscava para irmos para casa. A minha filha ficava com vontade de ficar comigo, mas eu não podia porque tinha que cozinhar as banana-chips e, pelo risco, eu passava o tempo todo brigando para ela não entrar na cozinha. Então, eu reparei que o que ganhava era quase tudo destinado para pagar à mensalidade da creche. Decidi me demitir.

Logo depois passou mais um venezuelano. Ele é artista de rua e ia trabalhar um pouco na praia com o seu filho, mas teve que voltar por causa da greve de transportes. Esse dia não conseguiria grana…

Puxa! Estão a anunciar o passe dxs passageirxs do meu voo para o registro em migração e acabei de reparar que eu deixei no banheiro a sacola com os livros que eu estava lendo. Nela também está meu cartão de vacina da febre amarela. São coisas muito importantes para mim, mas com certeza tem pouco valor para qualquer um. Vou ir rapidinho para o banheiro…

Nossa! Consegui resgatar os meus livros e o cartão! Olha só o que aconteceu! Quando fui para o banheiro a sacola não estava. Fui para o guichê de informação e falei para os vigilantes:

–Boa noite. Eu acabei de deixar no banheiro uma sacola com uns livros e o meu cartão de vacina da febre amarela, mas ela não está mais lá. Eu sei que talvez para outras pessoas sejam objetos sem muito valor, mais para mim eles tem um valor enorme. Vocês poderiam falar com as meninas da faxina para saber se elas viram a sacola? Eu estou a sair para a Venezuela e não posso passar sem o cartão da vacina.

Logo depois fui para me informar no guichê da companhia aérea até que horas eu poderia fazer meu registro em migração. Na volta para o posto de informação, um dos vigilantes me chamou:

—Moça! A sacola que você tinha é verde?

—Sim, sim!

–Então, uma das meninas da faxina resgatou a sacola do lixo…

 

 

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