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Mãos de Crepom
Crônicas, contos e ficções

Mãos de Crepom 

Não esperávamos pela ida repentina, não sabíamos a hora da partida e por esse motivo não nos despedimos. Morreu alegre que nem desfez o sorriso em teu rosto, porém o olhar brilhante não foi visto novamente em lugar algum, até as fotografias perderam aquele brilho.

Em nome de muitos, decido dizer que era uma pessoa como diria os antigos, uma pessoa de bem e de bem com a vida, só não entendo o que a vida tinha contra ele, para levá-lo sem dar explicação alguma… A palidez em que se encontra chega a dar um gosto de comida sem sal, típica comida de hospital, mas é uma pena que nesse caso não haverá alta; haverá apenas baixo, sete palmos abaixo. Agora palavras bonitas foram ditas, flores colocadas como coras, lágrimas pingando naquela sala mais que goteira em dia de chuva, agora o seu valor era altíssimo, jamais pensei que um defunto valeria tanto, pois em vida era apenas um sujeito, mais um Zé em um mundo cheio de Zés.

Zé Maria, Zé Carlos, Zé Henrique, Zé Sabino, Zé da comadre Chica, mas esse no gavetão é o Zé… Ninguém. Um pobre vendedor de flores de papel crepom, feitas por ele mesmo e prova disso era suas mãos encardidas pelas folhas coloridas. Vendia todos os dias pelas ruas, melhor dizendo; tentava vender… Passava feito o vento, sentiam a sua presença, mas não o viam, só deixavam passar, passou tantas vezes, mas posso dizer que agora passou para uma melhor? Melhor não, não conheço o pós morte. Além da vida que tinha, levava sempre um enorme sorriso no rosto, simpático e ao fim da tarde doava as flores à banca de jornal, inclusive eram quase todas, ele nunca vendeu um cesto por completo.

A sala da sua pequena casa está cheia de gente, mas a ironia bate na porta e dessa vez são as pessoas que não são vistas e passam a ser como o angustiado vento das madrugadas frias, desse que passa assoviando finamente um som dolorido de solidão, uma despedida que não houve, um adeus de tristeza diante um florista que dava vida aos encardidos papéis crepom.

A vida passa, as vezes sem jeito e só sabemos que foi assim, como diria nosso amigo Chicó.

O florista era de carne, osso e alma e mesmo assim dava vida ao papel, enquanto as pessoas a sua volta não davam a vida umas às outras e deixavam com que tudo e todos passasse despercebido, mas agora choram uma pós vida, o defunto não ouve, não vê, não venderá flores… Mas mesmo assim recebe, palavras, olhares… Afeto, agora já não faz falta, a falta existente é sua presença por completo e o brilho dos olhos que a pouco se cessaram.

Tempo, quanto tempo resta para que vejam a presença uns dos outros? Pergunta que dói no peito e martela na consciência, pergunta que não nos fazemos. Ninguém espera por uma ida sem aviso, assim como ninguém espera ser visto apenas quando deita-se para um eterno.

 

 

 


Créditos na imagem: Emil Nolde – “Sonnenblumen” (1926).

 

 

 

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