Regina Veiga (1890-1968), foi uma pintora, desenhista, musicista e professora nascida no Rio de Janeiro. Sua formação na arte começara ainda na infância: sua mãe, também musicista, seria a primeira a lhe incentivar os estudos em música, que logo se estenderiam à dança e às artes plásticas – em especial, à pintura. A artista iniciou sua formação acadêmica na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) no Rio de Janeiro e, tendo viajado à França em meados de 1916, a concluiu em Paris e voltou ao Brasil. A estadia na França lhe renderia novas perspectivas em estéticas e conceitos para sua arte; antes da viagem, Regina demonstrava seguir os padrões acadêmicos dando atenção ao gênero na arte, como em “Nu” (s/d), onde a figura feminina aparece integrada ao ambiente em um momento de introspecção.
Após sua volta, o foco estará também nos aspectos relacionados à cultura popular, assim como nas narrativas que entrelaçam as três linguagens artísticas às quais Veiga se dedicava concomitantemente: pintura, música e dança. Mencionada com frequência em diversas críticas de arte tanto acerca de exposições coletivas quanto individuais, sua biografia e obras permanecem pouco exploradas pela historiografia. A partir de um levantamento prévio de suas obras, observamos que a maioria trata, justamente, do encontro entre linguagens artísticas diversas – como em “Baianas” (1945), onde a composição reforça a ideia de movimento através da técnica impressionista e das expressões corporais.
Em sua trajetória, Regina optou por não vender muitas de suas obras e esta é uma das razões pelas quais hoje não temos conhecimento das mesmas. Como dirá a pintora em uma entrevista concedida ao periódico A Cigarra em 1951: “vender um quadro é como despedir-me duma fase de minha vida” (p.148). Para este texto, iremos nos atentar à obra “Roda de Samba” (1945), uma aquarela sobre cartão. O foco da narrativa são as ações dos personagens, um grupo de sambistas, e há um destaque para a figura feminina em vestes amarelas. A contextualização da produção desta obra é importante não apenas para compreendê-la do ponto de vista histórico, mas também para compreender os aspectos que fariam do trabalho de Regina algo fora dos padrões acadêmicos ainda vigentes.
Um primeiro ponto é a própria escolha da roda de samba como a narrativa central da obra. Segundo o texto de Eduardo Vicente (2006), por ser uma das sociabilidades originadas das culturas afro-brasileiras mais presentes nas ruas do Rio de Janeiro, a roda de samba se veria sob estrita vigilância do governo de Getúlio Vargas, já no regime do Estado Novo. Apesar de ter sido reconhecida pelo governo como potência cultural brasileira, o samba neste período pode ser dividido em duas vertentes: o samba-exaltação, melhor valorizada pelo governo enquanto meio para exaltar heróis e episódios da História do Brasil, o samba-malandro que, sendo antes considerado símbolo da resistência negra pós-Abolição, a partir da década de 40 seria visto pela elite como símbolo de um repúdio ao trabalho, passando a ser repudiado pelo Estado Novo.
O fato é que estamos falando de uma artista acadêmica vinda da elite carioca que se dedica às culturas populares e as leva ás suas exposições individuais, uma vez que, após a volta da França, Regina Veiga também de expor na Escola Nacional de Belas Artes, conhecido reduto elitista. A narrativa, a estética e os locais de exposição dizem muito sobre as intenções da artista, assim como das possibilidades de recepção por parte do público e crítica.
A trajetória de Regina Veiga é relevante também por se situar em um ponto entre o academicismo e o modernismo, nos mostrando que, para além destas duas tendências já consolidadas em 1945, já existiam também outros caminhos para a arte. Em Regina, esta perspectiva fica bastante clara: no conjunto de obras atualmente acessível, veremos sua atenção à cultura afro-brasileira, à figura do trabalhador e às questões de gênero em meio aos cânones artísticos. Além disto, suas entrevistas – como, por exemplo, a publicada na Revista da Semana, tendem a explicitar seu ponto de vista sobre as vivências femininas na Primeira República e a necessidade de se compreender o conhecimento e a arte – em todas as suas linguagens e origens culturais enquanto elementos necessários ao desenvolvimento pessoal. Tal posicionamento abre portas para pensarmos a atuação feminina nas artes fora do eixo ateliê/exposição, um campo aberto para a pesquisa de trajetórias e obras das artistas brasileiras na Primeira República.
REFERÊNCIAS
Belas Artes – Exposição Regina Veiga. Jornal do Brasil. 1 de out.1925, p.4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_04/41047
Exposição de Pintura. A Cigarra. Fevereiro. 1951, p.133,144 e 148. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/003085/48040
O que pensa a mulher brasileira da moda e da dança?. Revista da Semana. 9 de out. 1926, p.16. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/025909_02/12516
VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). São Paulo: UNICAMP, 2006 [Relatório Final de pesquisa PIBID/CNPq].
Crédito na imagem: Reprodução. Roda de Samba. In: Catálogo das Artes. Distrito Federal: Catálogo das Artes, 2018. Disponível em: https://www.catalogodasartes.com.br/obra/cBtUcU/.
[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “307”][/authorbox]